sexta-feira, 16 de setembro de 2011

INDEPÊNDENCIA DA AMÉRICA ESPANHOLA

O escriba Valdemir Mota de Menezes leu este texto da professora Maria Lígia, durante o curso de Licenciatura em História. O Escriba sempre teve um posicionamento contra os radicais da esquerda e os movimentos revolucionários marxistas. Não acreditando em nenhum dos sistemas humanos de governo. Sua esperança real é no Governo Messiânico de Jesus. enquanto este dia não chega, nos rolaremos na lama dos nossos pecados, ambições, desejos, mentiras e tentativa vã de submeter o próximo. ---------------------------------- FONTE http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742003000200002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt Maria Ligia Coelho Prado1 o artigo de Maria Ligia C. Prado,"Esperança radical e desencanto conservador na Independência da América Espanhola" RESUMO Neste artigo analiso dois textos produzidos por José Bernardo Monteagudo, figura emblemática do movimento de independência na América do Sul, no qual expõe seus projetos políticos antes e depois de conquistada a emancipação. Se em 1809 era um "democrata fanático", em 1823 havia se transformado em convicto monarquista, justificando a exclusão dos indígenas do mundo da política. Palavras-chave: independência da América Espanhola; José Bernardo Monteagudo; diálogos políticos. ABSTRACT This article analyses two pamphlets of José Bernardo Monteagudo, important leader of the independence of Spanish South America, written before and after the event. In 1809, he was an ardent democrat, but in 1823, he had become a convincent monarchist, supporting the idea that the indians could not participate in any political activity. Keywords: independence of Spanish America; José Bernardo Monteagudo;.political dialogues. A independência das colônias espanholas da América é tema consagrado desde o alvorecer das historiografias nacionais do século XIX, amplamente visitado e carregado de interpretações estabelecidas. Consensualmente, apenas se pode afirmar que a independência é vista como momento da quebra da dominação política exercida pela metrópole e do nascimento dos Estados Nacionais. Tema, ainda, atravessado por paixões político-ideológicas, tanto da parte daqueles que defendiam uma perspectiva oficialista e ufanista, que no século XIX elegeram os heróis que comporiam os panteões nacionais, como da parte de uma historiografia crítica, que em particular nos anos 1960 e 1970 entendeu a independência como um movimento destituído de significativa relevância, pois não teria propiciado a ruptura das grandes estruturas que continuariam a manter a dependência do continente. Nas décadas de 1960 e 1970, também se delineava outro embate com relação às interpretações sobre o tema. De um lado, a crítica àqueles que conferiam às idéias um lugar e um papel centrais como desencadeadoras do movimento da independência. Em oposição, os que privilegiavam as determinações estruturais — econômicas e sociais — como a base para a compreensão do movimento. A primeira perspectiva, que via particularmente nas idéias francesas uma das principais "causas" da emancipação, já foi amplamente criticada. Pensando na produção mais recente, é possível notar que revisões historiográficas distanciaram-se de uma aproximação exclusivamente estrutural de análise do processo de independência. O historiador peruano Alberto Flores Galindo, num texto do final da década de 1980, aponta para uma abordagem interessante e apresenta como que uma síntese desses debates: Deixando de lado os determinismos, sentimo-nos inclinados a pensar que no passado, assim como no presente, sempre há mais de uma alternativa e que os desenlaces são o resultado de combinações, sempre específicas, entre determinações estruturais e as vontades tanto individuais como coletivas. Na história estão em jogo as aspirações e os projetos dos homens. Os períodos de crise rompem os velhos ordenamentos, ampliam os horizontes, fazem possível a criatividade e nunca é mais real que então afirmar que os indivíduos constroem seu destino.2 Este artigo é tanto devedor desses debates historiográficos sobre a independência, quanto das discussões teóricas mais recentes no campo da história política e da história social das idéias. Nessa trilha, elegi trabalhar privilegiando os encontros entre cultura e política, com textos de José Bernardo Monteagudo, cuja trajetória foi, ao mesmo tempo, singular em suas particularidades, e também emblemática daquele turbulento período. Penso que os protagonistas do movimento de independência tiveram que tomar decisões e propor soluções com um campo aberto à sua frente, pleno de probabilidades e imponderáveis diversos. Construíram seus destinos, trabalharam com sua criatividade e inventividade e estiveram limitados por imposições estruturais próprias de seu tempo e espaço. Com essas questões em mente, quero refletir sobre dois escritos de Monteagudo, pois creio que esses textos espelham, de forma exemplar, certas contradições do período, anunciando soluções para problemas políticos centrais para os Estados Nacionais que se organizavam. Refiro-me, em especial, à determinante questão da democracia que envolvia as relações de poder entre as elites chamadas, à época, de criollas, e o mundo indígena. Pretendo iniciar com a análise de um panfleto de Monteagudo, de 1809 quando este, principiava sua vida pública e que leva por título: Diálogo entre Atahualpa e Fernando VII nos Campos Elíseos. Num segundo momento, estabeleço um contraponto com outro texto que Monteagudo escreveu em 1823, chamado: Memória sobre os princípios que segui na administração do Peru e acontecimentos posteriores à minha saída.3 Em primeiro lugar, ainda que muito brevemente, uma apresentação de Bernardo Monteagudo.4 Figura menor no panteão dos heróis da independência, seus poucos biógrafos — mesmo os mais simpáticos a ele, como Mariano de Vedia y Mitre — enfrentaram algumas dificuldades para construir sua imagem como grande herói impoluto, pois foi protagonista de alguns episódios obscuros ou pouco edificantes. Nosso personagem nasceu em Tucumán, em 1789, filho de um capitão de milícias espanhol que viera para a Colônia do Sacramento no início da década de 1780. Mas viveu boa parte de sua infância e juventude em Chuquisaca, hoje Sucre, na atual Bolívia. Estudou na Universidade de Córdoba e depois na importante Universidade de São Francisco Xavier em Chuquisaca, onde obteve o grau de doutor em Teologia. Logo em seguida, já graduado, foi nomeado Advogado da Real Audiência de Charcas e Defensor dos Pobres. Participou da precoce rebelião de Charcas pela independência, em 1809, que foi rapidamente reprimida. Nesse período defendia idéias republicanas e democráticas. Monteagudo foi preso e condenado à morte, mas conseguiu fugir. Daí por diante, vamos encontrá-lo em diversas partes da América. Participou da guerra pela independência na Argentina, atravessou os Andes, lutou no Chile e chegou ao Peru; esteve na América Central, numa missão especial. Foi à Europa e, nessa viagem, passou pelo Rio de Janeiro. Escreveu alguns textos políticos publicados em jornais e fundou, em 1812, em Buenos Aires, seu próprio e efêmero periódico, Mártir o Libre. Manteve contato próximo com quase todos os líderes da independência — desde Simón Bolívar, passando pelo venezuelano Francisco de Miranda (que encontrou em Londres), pelo guatemalteco José Cecilio del Valle, pelo chileno Bernardo O’Higgins, até o argentino San Martin, com quem conviveu mais longamente e de quem foi secretário. Teve efetivo poder político em diversos momentos, como aquele em que decidiu o destino dos irmãos Carrera, líderes do movimento chileno que, por desentendimento com O’Higgins, estavam exilados na Argentina. Foi Monteagudo, pretendendo maior aproximação política com O’Higgins, quem determinou o fuzilamento dos irmãos, atitude de força criticada pelos próprios contemporâneos. Como secretário de San Martin, instalou-se em Lima. Havia mudado suas concepções políticas e se transformado em monarquista convicto. No Peru, ocupou cargos políticos importantes, como o de Ministro da Guerra. Não se pode esquecer que Lima foi o bastião realista por excelência durante as lutas pela independência da América do Sul. Lá, as elites haviam permanecido ligadas ao antigo sistema colonial convencidas de que, a longo prazo, seu futuro dependia da solidez dos seus laços com a Espanha. O grande comércio limenho se sustentava pelos intercâmbios com a Península Ibérica e pelo controle sobre os espaços coloniais vizinhos — Quito e Valparaíso. Se o Peru foi um dos focos da resistência realista, isso não se deveu exclusivamente à personalidade do vice-rei Fernando de Abascal, como insiste a historiografia tradicional, mas à presença, em Lima, da aristocracia colonial mais numerosa de toda a América Hispânica. Além disso, a memória sobre a rebelião de 1780, liderada pelo cacique Tupac Amaru II (sobre a qual falaremos mais adiante), inibia qualquer possível adesão das elites a levantes armados. As posições políticas de Monteagudo em defesa do regime monárquico e seu distanciamento das elites limenhas angariaram-lhe poderosos inimigos, a ponto de ter que se exilar novamente. Foi enviado à América Central, numa missão diplomática a mando de Bolívar. Voltou para a América do Sul, esteve em Guayaquil, depois em Quito, e finalmente voltou ao Peru, desta vez sob a proteção de Bolívar, que fazia os preparativos para a última fase da guerra pela independência na serra peruana e no Alto Peru. Assim, a trajetória de Monteagudo indicava a ausência de limites geopolíticos separando toda essa vasta região e mostrava como o movimento pela independência não cabia nas fronteiras que posteriormente se construíram. No entanto, depois de escapar ileso de tantos perigos, Bernardo Monteagudo morria assassinado, com uma faca cravada no peito, às 7 horas da noite do dia 28 de janeiro de 1825, na Rua de Belém, em Lima. Tinha 35 anos de idade. Seu assassino confesso, o negro Candelario Espinosa, e seu cúmplice, o zambo Ramón Moreira, foram imediatamente presos. Candelario assumiu a autoria do crime, porém foi torturado para confessar o nome do mandante, pois desde o início as autoridades trabalharam com a hipótese de crime político. A prova mais contundente seria o fato de os pertences valiosos de Monteagudo não terem sido roubados — um anel de ouro, um relógio de ouro com corrente, um alfinete de gravata de safira e diamantes e seis onças de ouro. Depois de torturado por vários dias, Espinosa acusou três homens que foram presos, sem que, entretanto, nada se provasse. Numa suposta audiência com Simón Bolívar, o negro teria finalmente confessado que José Faustino Sánchez Carrión, ardente republicano e inimigo contumaz de Monteagudo, havia sido o mandante do assassinato. Para dramatizar ainda mais esta história, Sánchez Carrión morria 40 dias depois de Monteagudo. As versões sobre sua morte variaram entre uma doença de causa natural e um envenenamento provocado por vingança política. Fugindo das disputas sobre o crime ter sido ou não de caráter político, importa assinalar que as questões de ordem política, naqueles momentos, ocupavam lugar central na sociedade limenha. Desse modo, não se podia imaginar o assassinato de uma figura poderosa como Monteagudo sem que a idéia de conspiração ganhasse força. O biógrafo de Monteagudo, Mariano de Vedia y Mitre, carrega nas cores da conspiração afirmando, por exemplo, que logo após o assassinato "corriam pela sociedade limenha boatos de que Sánchez Carrión havia sido o mandante do crime". 5 A principal disputa entre Monteagudo e Sánchez Carrión passava pela definição do regime político que deveria ser adotado no Peru independente. O primeiro, monarquista, e o segundo, republicano. A questão das definições sobre o regime político pode parecer, a posteriori, problema menor. Entretanto, à época, nada estava definido e as disputas em torno da questão foram fundamentais e apaixonadas. Mas voltemos à juventude de Monteagudo, quando este escreveu seu primeiro texto político de impacto: o Diálogo entre Atahualpa e Fernando VII nos Campos Elíseos. Na forma de panfleto, circulou anonimamente, de mãos em mãos, nos meios universitários e políticos de Charcas, nos primeiros meses de 1809. Ainda que anônimo, rapidamente sua autoria foi atribuída a Monteagudo, pois como o texto era manuscrito, sua caligrafia acabou sendo reconhecida. Este era um entre muitos panfletos que invadiram a Hispano América na primeira década do século XIX, espalhando as idéias iluministas e contribuindo com seus argumentos para justificar a ação daqueles que começavam a lutar pela independência das colônias na América. Estes textos "subversivos" produzidos pelos criollos nasceram do encontro entre as leituras vindas da Europa e a reflexão original pensada a partir da situação colonial. Como bem mostra Elias Pino Iturrieta em sua pesquisa sobre a Venezuela, desde o final do século XVIII se ampliara o comércio ilegal de livros censurados que chegavam nos navios, misturados às mercadorias comuns, alimentando as imaginações dos descontentes com a situação colonial. A burocracia civil e religiosa espanhola manifestara reiteradamente sua preocupação com relação a esses "abusos", criticando ora a "negligência dos funcionários reais", ora os comerciantes que visavam apenas ao "torpe lucro". As autoridades coloniais denunciavam essa prática, perseguida com rigor, mas sem alcançar os efeitos esperados. Para elas, as colônias estavam "inundadas por uma variedade de gazetas, diários e suplementos repletos de absurdas proposições, muito parecidas com as idéias diabólicas que os revolucionários de Paris apregoavam". 6 Todavia, o documento de Monteagudo desperta, de imediato, grande interesse pela originalidade e pelo radicalismo da proposição. Em primeiro lugar, o autor, já em 1809, defendia claramente a separação entre as colônias e sua metrópole. Além disso, chama a atenção a criatividade do mesmo, pois se trata de um diálogo imaginário, no campo dos mortos, entre o último imperador inca e o rei espanhol vivo que, naquele momento, se encontrava prisioneiro de Napoleão em Bayone. Como questão aberta, fica a pergunta: teria Monteagudo, por acaso, lido os Diálogos dos mortos, de 1712, de Fenelon? 7 Creio que a forma de diálogo escolhida por Monteagudo está diretamente relacionada às finalidades do panfleto. De acordo com os costumes da época, o autor sabia que o texto não seria apenas lido individual e silenciosamente. Foi pensado também para ser ouvido por um grupo de pessoas atentas à leitura em voz alta. Como os historiadores do livro e da leitura já indicaram, a leitura individual e silenciosa ainda não era uma prática comum e habitual, nem na Europa nem na América, nesse período. Lia-se em voz alta a um grupo acostumado a "saber ouvir", potencialmente multiplicando os "efeitos perigosos" de um texto.8 Desde Platão, foi constante a utilização do diálogo. Os oradores — lembremos dos diálogos de Cícero — atentos às virtudes e vícios da elocução, se serviram do diálogo para alcançar maior eficácia diante do público. O estilo caracterizado por interrogações e respostas foi considerado superior ao contínuo, quando se desejava expressar o ímpeto da paixão. O leitor ou ouvinte era então levado a aceitar os argumentos não como uma imposição, mas como uma conseqüência lógica dos acontecimentos. Ao acompanhar a alternância de perguntas e respostas, se envolvia no processo. Essa técnica discursiva — a mesma empregada por Monteagudo — tendia a provocar a adesão dos espíritos às teses apresentadas e podia ser definida como um ato de persuasão. 9 Monteagudo, no diálogo, assume dois papéis, expondo seus argumentos por intermédio do personagem principal, o imperador inca Atahualpa. Tal decisão de conferir a Atahualpa a primazia no texto se configura como um ato de ousada rebeldia. As perguntas "adequadas" são feitas por Fernando VII, cujo lugar se confunde com o do público ouvinte/leitor, isto é, daquele que deve ser convencido da justeza das novas idéias, no caso, da necessidade da separação das colônias espanholas de sua metrópole. A escolha da figura de Atahualpa estava carregada de simbolismo e se coadunava com os objetivos de Monteagudo que desejava denunciar a conquista espanhola. O aprisionamento do imperador e sua posterior execução a mando de Francisco Pizarro, em Cajamarca, foram posteriormente condenados por muitos cronistas, que viram nesse episódio um ato de traição no qual os conquistadores demonstraram sua ambição, crueldade e violência. Os espanhóis haviam chegado a Cajamarca, onde estava Atahualpa, sem encontrar resistência por parte dos indígenas. Instalaram-se numa espaçosa mansão oferecida pelos nativos. Mas logo o imperador se transformou em prisioneiro. Tentando conseguir sua liberdade, entregou aos espanhóis inúmeras riquezas. Finalmente, acusado injustamente de traição, foi condenado a ser queimado vivo. Perto da fogueira "converteu-se" ao cristianismo para beneficiar-se do "privilégio" da morte por estrangulamento. E o que diz o Diálogo? O primeiro passo da montagem discursiva é inesperado: Atahualpa e Fernando VII aparecem como iguais. Os dois se declaram "descendentes de infinitos reis" que governavam seus súditos até que tiveram suas coroas usurpadas, e se transformaram em cativos de invasores. Se o espanhol foi obrigado a entregar o trono a Bonaparte, que lhe imputou "delitos falsos e fictícios", o mesmo aconteceu com Atahualpa, cujo cetro foi usurpado pelos espanhóis, apoiado também em mentiras. A partir dessa primeira constatação, dirigir-se-ão, um ao outro, como iguais. O Inca, ao mesmo tempo em que pede a Fernando que compare sua sorte à dele, emprega uma linguagem forte e agressiva, atacando a conquista e os "estúpidos espanhóis", cujo "coração avarento" só se voltou à "cobiça". Esses "usurpadores cruéis", que se "entronizaram na América contra a vontade dos povos", só espalharam a morte e o terror. Assim se constrói o grande tema do Diálogo, qual seja, o da ilegitimidade da conquista (chegando à crítica da bula de Alexandre VI, que dividiu as terras da América cedendo grande parte aos espanhóis) e da usurpação dos direitos dos americanos sobre essas terras. Atahualpa fecha seu argumento com a afirmação de que nem o juramento de "vassalagem que os americanos prestaram ao espanhol, nem a possessão de trezentos anos que foi conseguida [pelos espanhóis] na América são título suficiente para dominar essas terras". 10 Monteagudo investe Atahualpa de duas principais identidades. No texto, o imperador inca se refere ora a um "nós/americanos", ora a um "nós/indígenas". Quando assume a voz dos indígenas, critica a mita como uma instituição violenta e destruidora de vidas. Por culpa dos espanhóis, "sacrílegos transgressores dos sagrados e invioláveis direitos da vida e da liberdade do homem", os índios só sofreram infelicidades e calamidades. Mas os criollos também apresentam suas reivindicações pela voz de Atahualpa. Ironicamente, afirma que a felicidade dos americanos está na "ignorância que os espanhóis fomentaram", no tratamento despótico a que os espanhóis mais grosseiros lhes submeteram, na privação do comércio e no impedimento das manufaturas. O texto termina com a vitória dos argumentos de Atahualpa sobre Fernando. Este admite e "confessa" que se ainda fosse vivo, "moveria" ele mesmo os americanos à "liberdade e à independência". No ponto culminante do texto, Atahualpa avisa que se pudesse voltar ao Reino do Peru, conclamaria seus habitantes à luta com uma exortação, que termina assim: "... desapareça a penosa e funesta noite da usurpação e amanheça o claro e luminoso dia da liberdade. Quebrai os terríveis grilhões da escravidão e começai a desfrutar dos deliciosos encantos da independência". 11 Os dois se despedem, dirigindo-se cada um a seus pares — Fernando a seus iguais "mayores" e Atahualpa a Montezuma e outros reis da América — para levar as boas novas da independência e da liberdade. O panfleto surpreende especialmente pela amálgama produzida por Monteagudo, isto é, pela apropriação de uma identidade incaica pelo discurso de um criollo. Entretanto, se olharmos para o passado do Peru ou do México, regiões com populações majoritariamente indígenas, com uma extraordinária riqueza cultural, defrontar-nos-emos com uma linhagem de outros textos, também escritos por criollos, que trabalharam essa aproximação. O primeiro notável exemplo, do final do século XVII, é o de Carlos de Siguënza y Gongora, poeta, matemático e astrônomo, catedrático da Real e Pontifícia Universidade do México. Em seu Teatro de virtudes políticas que contituyen a un Príncipe, escreveu poemas para os arcos triunfais que enfeitaram as ruas da Cidade do México, quando da chegada do vice-rei, conde de Paredes e marquês de Laguna, em 1680. No texto, em que se acumulam citações de Homero, Platão, Catão, Plínio, Sêneca, assim como dos padres da Igreja, como Santo Agostinho ou São Ambrósio, o mexicano oferece ao vice-rei um teatro de virtudes atribuídas aos imperadores astecas para servir como um espelho ao espanhol. Os criollos podiam, dizia Sigüenza, compartilhar os valores cívicos com aqueles do antigo "Império Mexicano", porque, antes de tudo, todos haviam nascido em terra mexicana. As virtudes de cada um dos imperadores astecas foram escolhidas de acordo com a escala de valores da cultura espanhola: prudência, piedade, clemência, generosidade, coragem. Estabelecendo relações entre os dois mundos, vistos como continuidades, escreve, por exemplo, um soneto que termina assim: Goza, príncipe excelso, esse eminente compendio de virtudes soberanas, pues las regias divisas de Occidente, que a tanto rey sirvieron mexicano de dilatados triunfos en la frente, son abreviadas glorias de tu mano.12 Este texto extraordinário mostra que Sigüenza y Gongora, a despeito de fazer parte da burocracia colonial e de ter seu trabalho como poeta e catedrático reconhecido pelas autoridades espanholas na Nova Espanha, não ficou imune ao peso do passado asteca, criando uma identificação entre a aristocracia indígena e o mundo dos espanhóis/americanos.13 Um século depois, ainda no México, há outro texto de retumbante repercussão. Refiro-me ao livro monumental escrito pelo jesuíta mexicano exilado na Itália, Francisco Xavier Clavigero, Storia antica del Messico, impresso em 1780-1781. Esse livro estabeleceu um novo olhar sobre a cultura e a história dos antigos astecas. Como indica Anthony Pagden, Clavigero defende com mais argumentos e mais entusiasmo a perspectiva anunciada por Sigüenza y Gongora. Para Clavigero, a população criolla deveria olhar com orgulho para a cultura indígena, "as nossas antiguidades", e ver nela sua pré-história. Acusando os espanhóis de avareza e ambição, afirmava que os astecas nunca foram movidos pela necessidade de usurpar os Estados legitimamente possuídos por outras nações nem transportar de distantes países metais preciosos dos quais não precisavam. 14 Depreende-se daí uma hierarquia de valoração, na qual os antigos astecas eram colocados numa posição superior à dos rapaces espanhóis. O texto de Clavigero, rico em simbolismo político, atribuía, malgré lui, uma identidade cultural particular aos mexicanos, uma continuidade entre o mundo indígena e o espanhol que ultrapassava os limites impostos pela dominação colonial. A historiografia já apontou a relevância e a repercussão do texto de Clavigero sobre as lideranças criollas no período da independência. Voltando ao Peru no final do século XVIII, interessa-nos particularmente a leitura realizada pelo jesuíta peruano, Juan Pablo Viscardo y Guzmán, do texto de Clavigero. Exilado na Itália desde 1767, Viscardo deixou a Ordem, indo posteriormente para a Inglaterra, onde morreu em 1798. Em 1791-1792 escreveu a importante Carta dirigida aos espanhóis-americanos, que foi editada por Francisco de Miranda em Londres, em 1801, na sua tradução francesa. Pela primeira vez, sem metáforas ou subterfúgios, um criollo propunha a independência das colônias espanholas da sua metrópole. No texto, fazia uma crítica arrasadora da Espanha, empregando adjetivos virulentos quando se referia à Coroa ou a figuras da burocracia colonial, como o vice-rei Francisco de Toledo, apresentado como "monstro sanguinário" no trato com os incas. Estabelecendo comparações entre o período da Conquista e o momento em que escreve, construiu uma linha de continuidade em que se sucediam acusações aos espanhóis de opressão, despotismo, violência e rapacidade. Uma frase dessa carta tornou-se famosa e ecoou mais tarde entre os rebeldes independentistas. Referindo-se ao domínio da Coroa espanhola, dizia: "Nossa história pode ser expressa em quatro palavras: ingratidão, injustiça, servidão e desolação"15. Leitor de Clavigero, Viscardo y Guzmán também fazia referências ao passado indígena do Peru. Em outubro de 1782, escreveu ao governo britânico defendendo a idéia do envio de uma expedição à América do Sul, com a finalidade, entre outras, de restabelecer "o trono dos Incas". Com relação à grande rebelião de 1780, liderada por Tupac Amaru II, Viscardo condenou a brutalidade da execução do líder indígena e, ousadamente, defendeu a idéia de que os únicos a terem a "verdadeira" e legítima posse das terras na América, como direitos naturais, eram os incas. 16 É muito provável que Bernardo Monteagudo tenha lido a posteriormente famosa carta de Viscardo y Guzmán na Universidade de Chuquisaca, pois Mariano Moreno, figura fundamental no processo de independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, quando estudante da mesma universidade — graduou-se em 1804, um pouco antes de Monteagudo — havia traduzido a carta do francês para o espanhol. Desse modo, é possível reconstruir uma linhagem de textos nos quais os criollos procuraram aproximar os dois mundos, o espanhol e o indígena, marcando a originalidade da América e seu distanciamento da Espanha, "que a natureza havia separado por imensos mares", nas palavras de Viscardo y Guzmán. 17 Monteagudo apropriou-se dessa tradição já estabelecida; entretanto, deu ao encontro entre Atahualpa e Fernando VII um novo sentido, que culminava com o convencimento de Fernando VII por Atahualpa da necessidade da libertação de suas colônias. Se na esfera da produção letrada encontram-se tantos vestígios que explicam as escolhas de Monteagudo em seu panfleto, também é imprescindível buscar referências nos campos sociais e políticos. Durante o século XVIII, a sociedade colonial no vice-reinado do Peru experimentou um fenômeno cultural que John Rowe chamou de "movimento nacional inca". 18 Esse movimento, liderado pela nobreza incaica, envolveu o ressurgimento e a reelaboração de várias tradições incas e tomou forma no teatro, na pintura, nos desenhos e em outras representações artísticas. O desenlace desse processo aconteceu com a grande rebelião de Tupac Amaru, que se iniciou em novembro de 1780 e terminou em abril do ano seguinte, com o suplício de seu líder. Depois de sua morte, entretanto, a rebelião renasceu, espalhou-se pelo Alto Peru e aproximou-se de La Paz sob a liderança de Tupac Catari. Os espaços quéchua e aymara estiveram convulsionados até 1782. Diante do colonialismo espanhol e da aristocracia branca limenha, Tupac Amaru propôs um programa que se pode resumir em três pontos centrais: 1) a expulsão dos espanhóis, com a abolição de toda a sua organização administrativa; 2) a restituição do Império Incaico, que deveria ser restaurado tendo à frente os descendentes da aristocracia inca; 3) a introdução de transformações substantivas na estrutura econômica; entre elas, a supressão da mita indígena e a liberdade de comércio. 19 Mas a revolução indígena ultrapassou os objetivos inicialmente propostos por seu líder. Ao lado da proclamação de Tupac Amaru como rei, as massas camponesas destruíram, com violência inédita, as propriedades espanholas e todos os símbolos da dominação. Não fizeram distinções entre peninsulares e criollos. Desejavam a volta do Tawantinsuyo, o império incaico. A derrota da rebelião deixou marcas profundas. De um lado, entre os criollos, um verdadeiro terror diante da possibilidade de novas rebeliões. Da parte dos índios, os resultados foram devastadores: desde 1782 se suprimiram os títulos de nobreza incaica e determinou-se a explícita proibição entre as populações indígenas de qualquer tipo de manifestação que pudesse servir para reviver as tradições incas. Os indígenas foram até mesmo proibidos de se auto-identificarem como incas quando falavam os seus nomes. Os nobres incaicos terminaram política e economicamente derrotados. Restou apenas a esperança messiânica indígena, com sentimentos populares que persistiram mesmo que de maneira subterrânea. Como afirma Cecília Méndez, daí em diante seriam os criollos que assumiriam a tarefa de exaltar o passado imperial inca, reproduzindo suas tradições e seu sistema de símbolos. O recurso ao simbolismo inca efetivado pelos criollos carregava uma retórica que exaltava o passado e que tomou forma durante o período da independência. 20 Vale a pena indicar que dois dos próceres da independência — o argentino Manuel Belgrano e o venezuelano Francisco de Miranda — propuseram, ainda que sem repercussão, a constituição de um regime monárquico com um imperador inca, depois de alcançada a independência. Assumindo essa interpretação, é possível encaminhar algumas conclusões sobre o texto de Monteagudo e pensar que ele foi produzido e sustentado por uma trama de vicissitudes que estavam também diretamente relacionadas à rebelião de Tupac Amaru e à sua repressão. No texto de Monteagudo, as elites criollas vestidas com a roupagem do imperador inca falam por intermédio de Atahualpa. O autor se apropria da identidade indígena que se confunde com a criolla. Nas falas de Atahualpa, as idéias, os conceitos e os argumentos provêm do universo das idéias iluministas. Irônico é relembrar que, na teoria social européia do século XVIII, que opunha "civilizados" e "selvagens", estes últimos eram acusados, como sinal de sua inferioridade, de possuírem uma linguagem limitada a referências sobre os fenômenos observáveis e de serem incapazes de pensar em termos de abstração. 21 Ao mesmo tempo, Monteagudo /Atahulpa também critica a instituição da mita e a decorrente exploração dos indígenas. Mas relaciona o sofrimento dos índios à opressão dos espanhóis e ao poder metropolitano. Nessa lógica, alcançada a independência, o problema desapareceria. Assim, entendo que o panfleto de Monteagudo está atravessado por uma contradição inelutável. Se, de um lado, põe em cena a figura do habitante nativo da América, apresentando-o como parte do processo de independência, por outro, rouba-lhe a voz e passa a falar por ele. Creio que também é um texto premonitório. Anuncia que a guerra de independência não poderá prescindir da participação popular, dos indígenas e dos mestiços. E, efetivamente, eles integraram os exércitos populares que pegaram em armas, desde o pequeno povoado de Dolores no México, até a cidade de Santa Fé na Argentina. Mas o texto implicitamente evidencia a tentativa de anulação da identidade indígena e de sua submissão às diretrizes das elites brancas. Tal situação permaneceria intocada por muitas décadas. No século XIX, os índios aparecerão nas interpretações oficiais da situação política nacional como estorvos ou entraves à civilização e à democracia. 22 Nesse sentido, Monteagudo produziu, depois da independência e já no fim de sua vida, quando assumira o papel de organizador da nova ordem institucional, abandonando a defesa do republicanismo e se voltando à proposição da monarquia, um outro texto que considero fundador de uma certa interpretação sobre o mundo da política na América Latina. O texto a que me refiro é Memória sobre os princípios que segui na administração do Peru e acontecimentos posteriores à minha saída, de 1823. Monteagudo escreveu-o com o objetivo de responder aos ataques dos seus inimigos políticos, explicando a mudança de suas perspectivas e atitudes. Ali, afirma a impossibilidade da democracia no Peru, baseado em dois pontos: a colonização espanhola e o mundo indígena. Monteagudo parte do suposto de que tanto o domínio das idéias quanto das práticas políticas está restrito a poucos. Diz que as noções gerais acerca dos direitos dos homens, que começaram a ser difundidas depois da independência, faziam parte de uma linguagem que poucos entendiam, ou então compreendiam equivocadamente: "A ciência que ensina os direitos e as obrigações sociais é vasta e complicada. Ela exige um longo aprendizado, e a história de todos os povos, sem nenhuma exceção, demonstra que em nada é tão lenta a marcha do gênero humano, como no conhecimento prático dos termos das relações que unem os governos a seus súditos". Referindo-se ao povo, afirma que "ao ouvirem proclamar a liberdade e a igualdade, [pensam] que a obediência já deixou de ser um dever; que o respeito aos magistrados é um favor que se lhes dispensa; que todas as condições são iguais, não só perante a lei, porque esta é uma restrição que não compreendem". 23 A partir dessas premissas, procura explicar a impossibilidade da instalação de um regime democrático no Peru e, por extensão, nos países que foram colonizados pelos espanhóis. Afirma nosso autor que as refregas políticas por ele enfrentadas, ao lado da experiência da guerra e da paz, levaram-no a mudar completamente a visão política da sua juventude. Se um dia havia afirmado que "ser patriota, sem ser frenético pela democracia, era uma contradição", a realidade fizera-o mudar de posição. Quando desempenhou cargos políticos no Peru, tomou como princípio de sua administração "restringir as idéias democráticas", mesmo sabendo que tal posição atrairia a "ira popular". Entendia que "as idéias democráticas não eram adaptáveis ao Peru" por três razões principais, uma de ordem moral, outra de cunho econômico e a terceira de caráter social. No que concerne "à moral dos habitantes do Peru", estes não possuíam as virtudes necessárias para a democracia, pois constituíam um povo que havia sido "escravo" até aquele momento. Diz que um povo destinado à "obediência passiva por 300 anos" não poderia ter alcançado "o estado de civilização" necessário para viver sob o regime democrático. Quanto à distribuição da riqueza nacional, "que era a soma das fortunas particulares", esta também conspirava contra a democracia, pois "a distribuição de capitais de indústria no Peru não assegura a independência individual de seus habitantes de um modo adequado ao espírito das instituições democráticas". E, finalmente, no campo social, afirma que ...as mútuas relações que existem entre as várias classes que formam a sociedade do Peru tocam no máximo da contradição com os princípios democráticos. A diversidade de condições e variedade de castas, a forte aversão que umas professam pelas outras, o caráter diametralmente oposto de cada uma delas, enfim, a diferença nas idéias, nos usos, nos costumes, nas necessidades e nos meios de satisfazê-las apresentam um quadro de antipatias que ameaçam a existência social, se um governo sábio e vigoroso não for capaz de prever seu influxo24. E termina de forma enfática: É necessário concluir de tudo, que as relações que existem entre amos e escravos, entre raças que se detestam e entre homens que formam tantas subdivisões sociais quantas modificações há em sua cor, são inteiramente incompatíveis com as idéias democráticas.25 Desse modo, Monteagudo encaminhava uma solução para a questão da democracia, um dos grandes desafios do processo de independência. Derrotado o inimigo comum — a dominação espanhola — forjava-se, no bojo das lutas independentistas, a justificativa da exclusão da esfera política institucional daqueles considerados "sem virtude" ou "sem dinheiro". Além disso, os que não tinham a pele branca passaram a ser responsabilizados pela necessidade da imposição de um governo autoritário. Fundava-se, assim, uma interpretação sobre a impossibilidade da democracia, na América Latina, que seria repetida ou reelaborada até os dias atuais. Assim como Monteagudo, as elites políticas hispano-americanas escreveram intensamente sobre a questão, demonstrando conhecimento e familiaridades com a produção textual européia e, ao mesmo tempo, indicando sua atenção aos problemas sociais particulares de cada uma das sociedades. Em geral, justificavam suas posições criticando "os excessos" dos regimes democráticos. Muitos de seus argumentos apontavam os perigos da democracia por ser o regime das maiorias ignorantes. Não havia, segundo eles, na América Espanhola, condições sociais e políticas adequadas ao funcionamento da democracia. Da mesma forma que na Europa, no mesmo período, pensavam que era necessário esperar e educar o povo para que as instituições democráticas paulatinamente pudessem entrar em vigência. 26 Para concluir, penso que o movimento de independência abriu possibilidades diversas para os que viveram naquele período. Tempos de sonhos, tempos de escolha. Sonharam os letrados ilustrados que expressaram suas utopias em escritos como aquele que leva por título: "Soñava el Abad de San Pedro y yo también se soñar", do guatemalteco José Cecílio Del Valle que, em 1822, propunha a unidade americana. A mesma unidade idealizada por Simón Bolívar, que acreditara que a liberdade faria a América Meridional desabrochar e florescer. Sonharam os mais pobres, que alimentaram expectativas de mudança da ordem existente, de uma inversão da realidade. Ao começar o século XIX, vários murais limenhos, um deles atribuído ao pintor popular Pancho Fierro, retratava a imagem do "mundo ao contrário": o réu aparecia aguardando o juiz, o usurário exercendo a caridade, os touros provocando o toureiro. 27 Sonhou Monteagudo. Na juventude, um sonho jacobino democrático radical. No final da vida se desiludiu, do mesmo modo que Bolívar que, 15 dias antes de morrer, escrevera que fazer a revolução na América do Sul era arar no mar. Monteagudo acreditou que apenas as restrições dos direitos políticos, a repressão e a hierarquia seriam a solução para a manutenção da ordem. Passou de revolucionário a conservador. Sua trajetória política seria, desafortunadamente, um modelo precursor de tantos outros revolucionários latino-americanos, nos séculos XIX e XX, que deixaram de sonhar e de ter esperança. NOTAS 1 Departamento de História – FFLCH – USP – CEP 05508-900 – São Paulo – SP. 2 FLORES GALINDO, A. La crisis de la independencia: el Peru y Latinoamerica. In: FLORES GALINDO, A. (Org.) Independencia y Revolución (1780-1840). Lima: Instituto Nacional de Cultura, 1987, t. I, p.15. [ Links ]Todas as traduções são de minha autoria. 3 Os textos de Monteagudo foram consultados nas seguintes edições: MONTEAGUDO, B. Diálogo entre Atahualpa y Fernando VII en los Campos Elíseos. In: ROMERO, J. L. & ROMERO, L. A. (Orgs.). Pensamiento Político de la Emancipación (1790-1825). Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1977, v. 23, t. I, pp. 64-71. [ Links ]MONTEAGUDO, B. Memoria sobre los principios políticos que seguí en la administración del Perú y acontecimientos posteriores a mi separación. In: Escritos Políticos. Recopilação por PELLIZA, M. A. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1916, pp. 317-357. [ Links ] 4 Baseei-me em: VEDIA Y MITRE, M. de. La vida de Monteagudo. Buenos Aires: Guillermo Kraft Limitada, 1950, 3 t.; [ Links ]GONZÁLEZ, J. C. Bernardo Monteagudo y José Cecilio Del Valle. Buenos Aires: Separata de Cursos e Conferências, nº 279, dezembro de 1957; [ Links ]MELIÁN LAFINUR, A. Introdução. In: Escritos Políticos. Recopilação por PELLIZA, M. A. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1916. [ Links ] 5 VEDIA Y MITRE, M. Op. cit., Sexta Parte, t. 3. 6 Conforme PINO ITURRIETA, E. La Mentalidad Venezolana de la Emancipación. Caracas: Eldorado Ediciones, 1991, p.31. [ Links ] 7 Interessante notar que o centro-americano José Cecílio del Valle também escreveu diálogos: o inspirado Soñaba el Abad de San Pedro y yo también se soñar (1822), e Dialogo de diversos muertos sobre la independencia de América (1821), em que conversam, por exemplo, Carlos I e Carlos III. In: ROMERO, J. L. & ROMERO, L. A. (Orgs.). Op. cit., v. 23, t. II. [ Links ] 8 Ver CAVALLO, G. e Chartier, R. (Orgs.) Historia de la lectura en el mundo occidental. Madrid: Taurus, 1998; [ Links ]CHARTIER, R. Lectures et lecteurs dans la France de l’Ancien Regime. Paris: Seuil, 1987. [ Links ] 9 Conforme BRANDÃO, R. de O. A Tradição Sempre Nova. São Paulo: Ática, 1976. [ Links ] 10 MONTEAGUDO, B. Dialogo entre Atahualpa e Fernando VII en los Campos Elíseos. In: Op. cit., p.70. [ Links ] 11 Idem, p.71. 12 SIGUENZA Y GONGORA, C. Teatro de virtudes políticas. In: Seis Obras. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1984, p. 231. [ Links ] 13 Sobre esse tema, ver o interessante trabalho de PAGDEN, A. Identity formation in Spanish America. In: CANNY, N. & PAGDEN, A. (Orgs.). Colonial Identity in the Atlantic World, 1500-1800. Princeton: Princeton University Press, 1987. [ Links ]Ver, ainda, PAGDEN, A. Spanish Imperialism and the Political Imagination. Studies in European and Spanish-American Social and Political Theory 1513-1830. New Haven: Yale University Press, 1990. [ Links ] 14 Conforme PAGDEN, A. Spanish imperialism and the political imagination. New Haven: Yale University Press, 1990, pp.112 e segs. [ Links ] 15 Consultei a edição facsimilar da segunda edição em inglês (de 1810) recentemente publicada pela The John Carter Brown Library, Brown University, Providence, EUA, 2002, com introdução de David A. Brading. A citação está na p. 63. [ Links ] 16 Cf. BRADING, D. A. Introdução. Op. cit., p.50. 17 VISCARDO Y GUZMÁN, J. P. Op. cit., p.81. 18 Rowe, J. El movimiento nacional del siglo XVIII. In: Revista Universitária, n. 7, 1954. [ Links ] 19 Cf. FLORES GALINDO, A. Independencia y clases sociales. In: FLORES GALINDO, A. (Org.). Independencia y Revolución (1780-1840). Lima: Instituto Nacional de Cultura, 1987, t. I. [ Links ] 20 Cf. MÉNDEZ G., C. Incas sí, Índios, no: Notes on Peruvian creole nationalism and its contemporary crisis. In: Journal of Latin American Studies, n. 28, fevereiro de 1996. [ Links ] 21 Sobre essa última questão, ver BRADING, D. A. Orbe Indiano: de la Monarquia Católica a la República Criolla. 1492-1867. México: Fondo de Cultura Económica, 1991. [ Links ]Ver, ainda, o clássico GERBI, A. O Novo Mundo. História de uma Polêmica. (1750-1900). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. [ Links ] 22 Texto emblemático sobre essa visão é o de Domingo Faustino Sarmiento, Conflictos y armonías de las razas en América. Buenos Aires: Intermundo, 1964 (1ª edição de 1881). [ Links ] 23 MONTEAGUDO, B. Memória sobre los princípios políticos. In: Op.cit., pp. 319-320. [ Links ] 24 Idem, p.333. 25 Idem, p.334. 26 Ver, por exemplo, o texto do argentino Estebán Echeverría, Dogma Socialista, ou os escritos políticos do liberal mexicano José Maria Luis Mora, que claramente colocavam limites à participação política popular. Conforme PRADO, M. L. C. América Latina no século XIX. Tramas, telas e textos. São Paulo: EDUSP; Bauru: EDUSC, 1999. [ Links ] 27 Conforme FLORES GALINDO, A. Op. cit., p. 143. Artigo recebido em 05/2003. Aprovado em 07/2003.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

GREAT DEPRESSION

Text written by scribe Valdemir Mota de Menezes The Great Depression of 1929 caused a general meltdown in the U.S. and then spread around the world. Speculative Capital, one made of paper circulating in the stock markets worldwide, has sparked a crisis that would be an ingredient for the Second World War. The poor suffer while the rich get rich, but when they break the rich, the poor become destitute. EUFOR BEFORE THE CRISIS At the end of World War I, America was in great economic rise, the country experienced a lot of excitement, the Americans were fabricating, producing, selling and buying, and above all spending enough. BLACK THURSDAY One of the causes of the Great Depression was a crisis on the stock exchanges of New York. On 24/10/2009, she suffered the largest drop in history. The actions came with overvaluation, but when investors were selling these papers, there were no takers. No investment in companies, industrial suffered resection, so the employees were laid off, unemployed do not buy, the market just got a lot of stock, and little money. In cascade with the rich were roles that were worth nothing and they were in bankruptcy. The United States stopped, the economy stagnated and many went mad and committed suicide. NEW DEAL This was the name of President Roosevelt's plan to take the United States of economic stagnation. Among the measures the Government took was to buy surplus production agriculture and burn them, paying farmers not to grow, creating jobs through the construction of public works, such as squares, canals, roads, airports and ports. To stimulate the consumption of domestic product, imports were several restrictions.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

HISTÓRIA DA ÁFRICA

O escriba Valdemir Mota de Menezes leu o trabalho do Anderson Ribeiro Oliva e concorda que de fato pouco nos aprofundamos na história da África. As escolas brasileiras não se estendem mais no tema, porque também falta conteudo histórico e documentos que registrassem o passado dos povos africanos. Não podemos considerar que esta falta de conteudo escolar é oriundo de preconceito contra os negros, mas pela falta de subsídios. Ao contrario, os europeus nos deixaram um legado histórico e documental abundante. --------------------------------------------------------------- A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática Anderson Ribeiro Oliva Resumo A aprovação da lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da História da África e dos afrodescendentes, gerou nos meios escolares e acadêmicos algumas inquietações e muitas dúvidas. Como ensinar o que não se conhece? Para além das interrogações, a lei revela algo que os especialistas em História da África vêm alertando há certo tempo: “esquecemos” de estudar o Continente africano. A partir dessas constatações, o presente artigo tem como objetivo maior analisar a forma como aHistória da África e os africanos foram representados em um dos poucos livros didáticos de História elaborados no país que abordam a África com um capítulo específico. As muitas críticas e curtos elogios devem ser entendidos não como desconsideração ao trabalho do autor, mas como um alerta: devemos voltar nossos olhares para a África, pela sua relevância incontestável como palco das ações humanas e pelas profundas relações que guardamos com aquele Continente por meio do mundo chamado Atlântico. Palavras-chave historiografia africana; africanos. : História da África; representações; ensino da História; Abstract African History at school. Representations and imprecision in the didactics literature The approval of the 10639/03 law, which made compulsory the teaching of African and African-descendants history, has brought some Estudos Afro-Asiáticos uneasiness and many questions to the academic sphere. How is it possible to teach something we do not know? Besides this questioning, the law comes up with something that African history specialists have been warning us for a long time: we “forgot” to study the African continent. Beginning from these facts, the article’s objective is to analyze how the African history and the Africans have been represented in the very few history books, made in Brazil, in which the African theme is brought up in a specific chapter. The many critics and short complements towards these books, should not be interpreted as lack of consideration to the authors’ work, but as an alert: we have to turn our attention to Africa, considering its unquestionable relevance as a stage to human actions and because of the deep relations we have with that continent through the Atlantic. , Ano 25, no 3, 2003, pp. 421-461 Keywords historiography, Africans. : African History, representations, history teaching, African Résumé L’histoire de l’Afrique sur les bans de l’école. Représentations et inprecisions dans la littérature didactique L’adoption de la loi 10639/03, qui a rendu obligatoire l’enseignement de l’Histoire de l’Afrique et des afro-descendants, a suscité quelques inquiétudes dans les milieux scolaires et académiques ainsi que bien de doutes. Comment enseigner ce que l’on ne connaît pas ? En plus de toutes ces interrogations, la loi révèle quelque chose dont les spécialistes enHistoire de l’Afrique se soucient depuis un certain temps : on a simplement “oublié” d’étudier le continent africain. C’est à partir de ces constatations que cet article a pour objectif majeur d’étudier comment l’Histoire de l’Afrique et les Africains ont été représentés dans l’un des seuls livres didactiques d’Histoire fait au Brésil et qui aborde l’Afrique dans un chapitre spécifique. Toutes les critiques et les brefs éloges doivent être compris comme une mise en garde plutôt que comme un manque de respect pour le travail de l’auteur. En effet, on doit regarder l’Afrique à cause de son importance majeure comme une scène pour des actions humaines et aussi à cause des rapports intenses que l’on garde avec ce continent, à travers ce que l’on nomme le monde Atlantique. Mots-clés l’Histoire de l’Afrique, historiographie africaine, Africains. : Histoire de l’Afrique, représentations, enseignement de Anderson RibeiroOliva 422 N já que as mesmas exigem respostas diretas. E efetivamente esta não é uma qualidade que carrego. Porém, neste momento, é difícil encontrar outra forma de chamar a atenção do leitor, provavelmente professor de História. Por isso vamos a ela: “O que sabemos sobre a África?” Talvez as respostas sofram algumas variações, na densidade e na substância de conteúdo, dependendo para quem ou onde a pergunta seja proferida. Acredito, no entanto, que o silêncio ou as lembranças e imagens marcadas por estereótipos preconceituosos vão se tornar ponto comum na fala daqueles que se atreverem a tentar formular alguma resposta. Atrevimento sim! Quantos de nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas? Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do ão costumo iniciar minhas reflexões com perguntas diretas,National Geographic ou mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui. O ofício de historiador ou de professor—não consigo percebê- los tão separados—habilita-nos à compreensão e análise da humanidade em sua trajetória no tempo. Isto não pode ocorrer apenas por adoração às pesquisas ou ao poder de contar histórias. Voltar ao passado apenas por erudição ou curiosidade não é a nossa tarefa. O passado comunica o presente, o presente dialoga com o passado. Só assim nossa árdua função se recobre de significados e de sentidos. Desconfio que os alunos também pensem assim. Se a História da África, como um campo do pensamento humano, se justifica por si só, no nosso caso, a responsabilidade adquire um duplo peso. Primeiro: temos que reconhecer a relevância de estudar a História da África, independente de qualquer outra motivação. Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um 423 Não é assim que fazemos com a Mesopotâmia, a Grécia, a Roma ou ainda a Reforma Religiosa e as Revoluções Liberais? Muitos irão reagir à minha afirmação, dizendo que o estudo dos citados assuntos muito explica nossas realidades ou alguns momentos de nossa História. Nada a discordar. Agora, e a África, não nos explica? Não somos (brasileiros) frutos do encontro ou desencontro de diversos grupos étnicos ameríndios, europeus e africanos? Aí está a dupla responsabilidade. A História da África e a História do Brasil estão mais próximas do que alguns gostariam. Se nos desdobramos para pesquisar e ensinar tantos conteúdos, em um esforço de, algumas vezes, apenas noticiar o passado, por que não dedicarmos um espaço efetivo para a África em nossos programas ou projetos. Os africanos não foram criados por autogênese nos navios negreiros e nem se limitam em África à simplista e difundida divisão de bantos ou sudaneses. Devemos conhecer a África para, não apenas dar notícias aos alunos, mas internalizá-la neles. Para isso devemos saber responder, com boa argüição, a pergunta inicial do texto. Porém, chega de defesas ou apologias de uma História, e nos concentremos nas “coisas sérias”. A História da África nos bancos escolares Se o ensino de História no Brasil transformação nos últimos vinte anos, a mesma parece não ter atingindo de forma significativa o estudo daHistória da África. Da criação da primeira cátedra deHistória no país, em 1838, no Colégio Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no ensino da disciplina foram limitadas pelo modelo positivista hegemônico em uso. Porém, os anos 1980 e 1990 reservaram um espaço fecundo e estimulante para a (re)significação de sua existência. Estabeleceu- se um diálogo, mais ou menos aberto, entre os diversos setores interessados em repensar a abordagem daHistória em sala de aula. Outras perspectivas teóricas—Marxismo eHistóriaNova—passaram a inundar os livros didáticos, levando à incorporação de abordagens econômicas estruturais e temáticas dos conteúdos tratados ou determinados pelos currículos. Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que se contentar, ou aturar, umaHistória de influência positivista recheada por memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraen- 1 passou por uma profunda Anderson RibeiroOliva 424 te, do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus governantes na História do Brasil. Todos esses conteúdos eram apresentados com pouco ou nenhum perfil crítico e não existiam brechas para a participação das pessoas comuns nos fatos tratados. O ruir da traumática aventura dos militares ao poder se fez acompanhar de um esforço de historiadores, professores e técnicos na tentativa de modificar o ensino da história. Como ressonância dos debates que circulavam nas universidades desde os anos 1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia para referenciar as modificações dos currículos e reescrever os livros didáticos. Porém, a dose de mudanças foi muitas vezes ortodoxa, limitando a história a modelos vulgares das análises marxistas e a complexas estruturas e sistemas econômicos. Outras vezes foi inócua, atingindo de forma bastante limitada a docentes e alunos. Para alguns, cristalizou-se como única proposta a ser seguida, fugir dela era renunciar ao papel de formador de consciências críticas e esclarecidas. Para outros, a troca de perspectiva teórica não se fez acompanhar da qualificação docente e do material utilizado em sala de aula. É essa perspectiva teórica, com seus avanços e obstáculos que, até o final dos anos 1990, foi, se não hegemônica, majoritária no ensino da disciplina. Nessa mesma década—como reflexo das mudanças teóricas que inundavam os cursos de História, a partir os ventos soprados pela historiografia francesa—percebeu-se que, se a reestruturação escolar tinha sido frutífera, era ainda inadequada. Apesar da experiência paulista uma presença mais marcante dos referenciais da História Nova nos livros didáticos e nas salas de aula, chamada aí de História temática. Não se pode negar os efeitos positivos dessas influências. Uma série de atividades pedagógicas, diversificadas da História, associadas à escrita de novos manuais e reedições dos que já circulavam por algum tempo, informavam os novos rumos tomados pelo ensino da disciplina. Porém, e apesar dos esforços, existem lacunas e problemas de certa relevância no debate que se montou acerca da adoção do ensino temático no Brasil. A formação de alguns centros de Pós-Graduação, 2 dos anos 1980, é a partir de 1995 que encontramos3 envolvendo abordagens4 especializados no ensino de História, e de núcleos de pesquisa, 5 além da promoção de congressos e encontros nacionais revelam a preocupação com as mudanças acerca do assunto. Fica evidente também, ainda hoje, por motivos conjunturais maiores, o descontentamento de boa parte dos alunos e docentes pela forma como AHistória da África nos bancos escolares... 425 ainda é ministrada a disciplina História nas escolas. Porém este é um outro problema. A partir deste quadro, de certa forma crítico, mas estimulante para aqueles que defendem mudanças ainda maiores para aHistória ensinada, percebemos um outro desencontro. Em artigos publicados recentemente, em duas qualificadas coletâneas (ver Abreu, 2003, Karnal, 2003; Bittencourt, 1997b), vários pensadores fizeram incursões reflexivas sobre o atual momento do ensino de História e das inovadoras e, de certa forma, problemáticas propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Entre as discussões levantadas, uma chamou-nos a atenção: o debate acerca do combate à discriminação racial e do ensino da História da África. Oartigo deHebeMariaMattos, contra a discriminação racial no Brasil, parte. Mesmo guardando idéias gerais, ainda que elucidativas, a autora demonstra sensibilidade e iniciativa ao levar para um palco de discussões maior um assunto lembrado por poucos: o ensino da História da África. Mattos alerta para a necessidade de um redimensionamento teórico e espacial sobre a questão. Se existia uma tendência dos estudos anteriores de olhar o negro no Brasil, a proposta da autora, influenciada pelas reflexões do britânico Paul Gilroy, é de perceber a África, os africanos, e a identidade negra do país dentro de um contexto histórico mais abrangente: o Mundo Atlântico. OEnsino deHistória e a lutamerece uma referência à Quando se rompe com uma perspectiva essencializada das relações entre identidade e cultura, decorre que qualquer abordagem sobre as ambigüidades da identidade negra no Brasil se torna indissociável do entendimento da experiência da escravidão moderna e de sua herança racializada espalhada pelo Atlântico [...]. Gilroy aborda este processo [a afirmação de novas identidades negras] como construção política e histórica fundada em diferentes trocas culturais (africanas, americanas e européias) através do Atlântico, desde o tráfico negreiro, na qual a questão das origens interessa menos que as experiências de fazer face à discriminação através da construção identitária e da inovação cultural. (Mattos, 2003: 129-130) Outra fundamental questão abordada pela historiadora é a negligência com a qual se trata aHistória da África nas universidades e as conseqüências de tal fato no ensino. Ainda mais grave, há alguns conteúdos fundamentais propostos nos novos PCNs—especialmente a ênfase na história da África—que, infelizmente, ainda engatinham como área de discussão e pesquisa nas nossas Anderson RibeiroOliva 426 universidades, impondo-se como limite ainda maior ao esforço pedagógico que pode ser feito para uma abordagem que rompa com o europocentrismo que ainda estrutura os programas de ensino das escolas. ( 131) ibidem: As últimas páginas de seu artigo são dedicadas à análise de como a História da África foi trabalhada em um dos novos livros didáticos utilizados no país (ver Montellato, 2000). O ponto de destaque é que o volume analisado, voltado para a 6ª série do Ensino Fundamental, utiliza uma proposta de abordagem temática da História. A autora passa a dialogar com o livro procurando salientar seus avanços e tropeços, que parecerem ser em maior número. Por exemplo, no capítulo que trata da Expansão Marítima Européia dos séculos XV e XVI, a “África aparece apenas como uma sucessão de pontos geográficos a serem ultrapassados”. Na unidade seguinte, que estuda o “desencontro entre culturas” Mattos se incomoda que não haja nem uma palavra sequer sobre África, africanos ou os diversos povos daquele continente e de como participaram destes desencontros. Eles entram em cena na terceira unidade, para caracterizar “a construção da sociedade colonial”, basicamente como força de trabalho. Em outros momentos, como no debate sobre a escravidão, os autores do livro reproduzem versões tradicionais da historiografia brasileira, ao naturalizarem a escravidão por “ela”, de alguma forma, já existir em África. A África pré-colonial só irá aparecer na última unidade, porém, Mattos não realiza nenhum comentário mais específico sobre o assunto. Por fim, a autora conclui que a tendência de conjunto [...] é o lugar encapsulado (como uma simples questão de mão-de-obra) e naturalizado (negro = africano = escravo) da questão negra no ensino da história do Brasil.Qualquer trabalho com livros didáticos anteriores aos PCNs apenas reforçaria esta tendência [...]. ( ibidem:132-134). Cabe ressaltar que este trabalho da autora não é especificamente sobre o ensino da História da África, mesmo que o aborde ao longo do texto, e nem ela é uma africanista. Talvez isso revele a pouca profundidade ao analisar a abordagem da África anterior ao século XIX, presente no manual. De qualquer forma, sua contribuição deve ser destacada, já que foi uma das poucas vozes entre os historiadores a publicar algum material sobre o tema. Suas conclusões gerais também demonstram sua preocupação com a formação AHistória da África nos bancos escolares... 427 dos professores. Mesmo que timidamente, aponta algumas alternativas. Desenvolver condições para uma abordagem da história da África no mesmo nível de profundidade com que se estuda a história européia e suas influências sobre o continente americano. Já começaram a estar disponíveis em língua portuguesa alguns títulos que tornam esta tarefa relativamente viável, para além dos dois volumes monumentais sobre história da África pré-colonial, de Alberto da Costa e Silva. Ensinar história da África aos alunos brasileiros é a única maneira de romper com a estrutura eurocêntrica que até hoje caracterizou a formação escolar brasileira. ( ibidem:135). No que concerne ao estudo da História da África, não podemos ignorar o fato de que após o processo de libertação africano, ocorrido na segunda metade do século XX, principalmente até os anos 70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa — significativa das pesquisas realizadas sobre a história do Continente, tanto por africanistas como por historiadores dos países recémformados (Difuila, 1995). Porém, devido a problemas internos e ao descaso externo, esses países—falamos especialmente dos países africanos de língua portuguesa em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por seus pesquisadores. No mundo europeu, esse momento foi marcado por um novo perfil das pesquisas, até então realizadas sob a tutela do olhar colonialista. Já na América, concentraram-se, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil, os maiores esforços de entendimento sobre a África, evidenciados pelas pesquisas e centros de estudos montados.Mesmo assim, se comparados com estudos realizados sobre outras temáticas, ainda são esforços pálidos. Enfim, o momento é propício ao debate da questão, já que o atual governo, na época com poucos dias de existência, sancionou uma lei afro-brasileiros e da África em escolas do Ensino Fundamental e Médio.Medida justa e tardia, e ao mesmo tempo difícil de ser implementada. Isso por um motivo prático: muitos professores formados ou em formação, com algumas exceções, nunca tiveram, em suas graduações, contato com disciplinas específicas sobre a História da África. Soma-se a esse relevante fator a constatação de que a grande maioria dos livros didáticos deHistória utilizada nesses níveis de ensino não reserva para a África espaço adequado, pouco atentando para a produção historiográfica sobre o Continente. Os alunos passam assim, a construir apenas estereótipos so- 6 —, tiveram alguma dificuldade7 tornando obrigatório o ensino da História dos Anderson RibeiroOliva 428 bre a África e suas populações. Portanto, seria justo perguntar: como a História da África é ensinada em nossas escolas? Para responder a tal questão faremos um breve exercício. Na realidade, é uma espécie de teatro experimental de uma pesquisa maior, que desenvolvo em tese de doutorado na linha de pesquisa Comércio e Transculturação no Mundo Atlântico, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília. Em meu projeto tenciono fazer o seguinte percurso: analisar a forma como os livros didáticos de História — produzidos a partir de 1995—utilizados nas escolas brasileiras, portuguesas, angolanas e cabo-verdianas representaram(am) por meio de imagens e textos escritos os africanos, e qual o papel reservado à História da África em meio às temáticas e conteúdos abordados. Neste caso, farei aqui um breve, mas fundamental, teste. Nesta primeira parte do artigo tivemos a preocupação de alertar, assim como outros já o fizeram, para as graves lacunas existentes na formação acadêmica e no ensino sobre a História da África. Na segunda parte apresentaremos a trajetória das leituras realizadas sobre os africanos e que revelam as representações construídas ao longo do tempo acerca da África. E por fim, em um terceiro momento realizaremos um estudo de caso. Ao analisarmos um dos poucos livros didáticos (Schmidt, 1999) que abordam a História da África pré-colonial com um capítulo específico, intentamos iniciar uma leitura crítica sobre os acertos e desacertos da abordagem efetuada sobre a levantada temática nos manuais. Esperamos que seja uma iniciativa válida. Os africanos sob os olhares ocidentais e notícias da historiografia sobre a África Silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas. Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História da África nas coleções didáticas deHistória no Brasil. Das vinte coleções compulsadas pela pesquisa, apenas cinco possuíam capítulos específicos sobre a História da África. África aparece apenas como um figurante que passa despercebido em cena, sendo mencionada como um apêndice misterioso e pouco interessante de outras temáticas. Tornou-se evidente também que, quando o silêncio é quebrado, a formação inadequada e a bibliografia limitada criam obstáculos significativos para uma leitura menos imprecisa e distorcida sobre a questão. Percebemos, en- 8 Nas outras obras, a AHistória da África nos bancos escolares... 429 tão, que a tarefa de análise de manuais didáticos exigiria não apenas um conhecimento considerável acerca da História e da historiografia africanas. Seria preciso fazer uso de outro suporte de análise, que permitisse o entendimento de como esses livros influenciaram a construção das distorções e simplificações elaboradas sobre a África e apropriadas por milhares de alunos e professores naquele Continente, no Brasil e em Portugal. Se o objetivo aqui é analisar a forma como os africanos e a História da África foram representados na literatura didática de História, torna-se indispensável fazermos uma incursão por alguns dos trabalhos que tentaram esclarecer como o imaginário ocidental sobre a África e os africanos foi gestado. É claro que as contribuições vão além dos conceitos que serão discutidos, passando pelo entendimento das relações sistêmicas maiores. No entanto, construir instrumentos de pesquisa e reflexão mais apurados apresentam- se como tarefas obrigatórias. Para isso, retornaremos às citadas reflexões traçando uma breve trajetória das representações elaboradas sobre os africanos, articulando-a aos caminhos seguidos pela historiografia africana. Visões sobre a África Em recente viagem à África, da Silva demonstrou a intenção do Estado brasileiro, pelo menos de forma simbólica, de quebrar o silêncio de algumas décadas nas relações econômicas e diplomáticas mais vantajosas entre as duas margens do Atlântico. Deixando de lado as perspectivas figurativas do Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul — o presidente, em seus improvisados, e, portanto, mais reveladores discursos, cometeu o que foi para alguns uma gafe, para outros uma dura ofensa à África. Ao fazer comentários sobre a limpeza e organização de Windhoek, capital da Namíbia, Lula evidenciou as imagens que incorporamos e perpetuamos sobre o Continente. Não tiremos as palavras do presidente, sua íntegra nos ajuda à reflexão sobre nosso imaginário acerca da África e dos africanos. 9 o presidente Luiz Inácio Lulatour pela região sul do Continente—São Tomé e Príncipe, Estou surpreso porque quem chega aWindhoek [capital daNamíbia], não parece estar num país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas, tão bonitas arquitetonicamente e têm um povo tão extraordinário como tem essa cidade [...]. A visão que se tem do Brasil e da América do Sul é de que somos todos índios e pobres. A visão que se tem da África é de que também é um continente só de pobre ( Correio Braziliense, 2003: 2). Anderson RibeiroOliva 430 Não iremos crucificar o presidente como outros fizeram. Não que concordemos com tal disparate conclusivo, até porque, tendo oportunidade de se corrigir nos dias seguintes, Lula afirmou que apenas constatou o óbvio. Porém, é muito mais enriquecedor analisar os pensamentos do nosso chefe de Estado por uma outra dimensão. Independente de Lula ter formação superior ou não, ser presidente ou cidadão comum, nordestino ou gaúcho, pobre ou rico, sua postura de admiração com uma “cidade limpa” na África é surpreendentemente comum. Para ser mais claro: excluindo um seleto grupo de intelectuais e pesquisadores, uma parcela dos afrodescendentes e pessoas iluminadas pelas noções do relativismo cultural, nós, brasileiros, tratamos a África de forma preconceituosa. Reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o Continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro. A África não poderia ter, fazendo uma breve inversão do olhar presidencial, ruas limpas, um povo extraordinário e bela arquitetura. Seguindo esse raciocínio, a viagem não poderia ter outra dimensão do que a econômica, e o Brasil não poderia ter outra postura do que a de ajuda humanitária à África, já que, por sermos tão melhores do que eles, seria ilógico esperar algo de lá. Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as interpretações racistas e discriminatórias elaboradas sobre a África e incorporadas pelos brasileiros são resultado do casamento de ações e pensamentos do passado e do presente. Neste caso, percebe- se que as representações deturpadas sobre o Continente africano não são uma exclusividade brasileira dos dias do presidente Lula. As distorções, simplificações e generalizações de sua história e de suas populações são comuns a várias partes e tempos do mundo ocidental. Dessa forma, se continuarmos a reproduzir leituras e falas como a citada, é muito provável que o imaginário de nossas futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas. Alguns autores compreensão dos olhares estrangeiros que percorreram o Continente africano. O historiador português José da Silva Horta (1995, 1991) em dois excelentes trabalhos, refletiu sobre os possíveis limitadores e influenciadores das leituras européias realizadas 10 já tinham alertado sobre as dificuldades de AHistória da África nos bancos escolares... 431 em África, leituras essas que incorporamos durante o período colonial e que foram reforçadas ao longo dos séculos seguintes. Horta defende a idéia, comungada por outros autores, de que os textos sobre os africanos—escritos ou imagéticos —, presentes nas mais diversas obras ao longo do tempo, não passam de representações,11 ou seja, são (re)construções do real. É certo que esses textos foram escritos (pintados) a partir de uma série de referências ou categorias culturais daqueles que estiveram em África ou procuram interpretar as notícias que lá chegavam. Ao lermos os textos europeus que retratam o Africano (o mesmo sucede, aliás, se interpretarmos ícones), mesmo os mais descritivos, temos de partir sempre do princípio de que estamos perante representações, o que é dizer, perante (re)construções do real. [...] Essa construção faz-se de acordo com as categorias culturais e mentais de quem viu, ou (e) de quem escreve [...]. A representação é, aqui, a tradução mental de uma realidade exterior que se percepcionou e que vai ser evocada—oralmente, por escrito, por um ícone — estando ausente. (Horta, 1995: 189) Evidencia-se dessa relação — observado/observador — um jogo não só de dominação e resistência, mas também de dificuldade de explicar e reconhecer a alteridade. Ao mesmo tempo, fica claro que as relações sociais, intelectuais e culturais só se concretizam quando ocorre entendimento. E para entendermos algo, quase sempre, fazemos uso de nossa cosmovisão e estrutura de explicação do universo, emprestando significados ao que está sendo observado ou apresentado ( são construídas em nosso imaginário não de forma passiva. Quase sempre incorporamos outras definições e conceitos de forma consciente, e mesmo que adotemos determinada postura menos irrefletida, ela pode ser alterada a qualquer momento, dependendo dos reflexos que nos chegam e de nossas intenções. ibidem:190). Sabemos que as representações A representação, enquanto tradução mental de uma realidade exterior percepcionada, implica um processo de abstração que passa pelo gerir— mais ou menos inconsciente — das classificações disponíveis no cultural subjazem cristalizam-se assim em categorias, lugares-comuns e estereótipos, que organizam a cada momento as representações, das quais são como que a linguagem, o código de referência permanente. ( 209) stockpara tornar inteligível e avaliar essa realidade.Os valores que lheibidem: Compete aqui lembrar que esse processo não ocorreu em uma via de mão única—europeus/africanos. Os africanos eviden- Anderson RibeiroOliva 432 temente elaboraram suas interpretações e significações para o que vivenciavam ao entrar em contato com os europeus. Em suma: as representações recíprocas são uma dimensão essencial do encontro de Europeus e Africanos, de uma história em comum. Práticas e representações constituem um binômio indissociável. As últimas têm, portanto, um papel coadjuvante na explicação da natureza do relacionamento entabulado entre duas partes que se observam e que interagem. [...] Trata-se de uma convergência natural e necessária em todos os fenômenos resultantes do encontro ou confronto de culturas [...] ( 191). ibidem: Seria plausível afirmar que os olhares sobre oOutro estariam impregnados do “estranhamento”, da dificuldade de emprestar significados e aceitar as diferenças. Ao mesmo tempo, tal relação é fundamental para a afirmação/reelaboração da própria identidade. Nesse movimento os europeus emprestaram, quase sempre, um aspecto de inferioridade aos povos da região. De certa forma, também teriam sido os contatos com os europeus que fizeram os africanos perceberem ou serem “obrigados” a aceitar que entre eles existiam elementos de proximidae e de identidade. Opsiquiatra negro Frantz Fanon, psicológicos do processo de dominação européia na África, afirmava que “o negro nunca foi tão negro quando a partir do momento em que foi dominado pelos brancos” (Fanon, 1983:212). O filósofo africano Kwame Appiah confirma a idéia de que “a própria categoria do negro é, no fundo, um produto europeu, pois os ‘brancos’ inventaram os negros a fim de dominá-los” (Appiah, 1997:96). Percebe-se, portanto, que a troca de olhares sobre o outro e sobre a própria identidade é um instrumento dinâmico, em constante resignificação e com múltiplas variáveis. Neste caso, atentemos para as visões européias sobre os africanos. Desde da Antigüidade, os escritos de viajantes, historiadores ou geógrafos, como Heródoto (séc. V a.C.) e Cláudio Ptolomeu (séc. II), fazem referência à África de forma a demarcar as diferenças e a representar, a partir dos filtros estrangeiros, o Continente e suas gentes. das leituras européias foram a cor da pele dos africanos, chamados de etíopes, e as características geográficas da região, conhecida por Etiópia. Essa própria forma de denominar a África conhecida, que no período se limitava à área acima do Saara, utilizada por gregos e romanos, levava em consideração um desses grandes 12 ao investigar os impactos13 Os elementos que parecem ter chamado mais a atenção AHistória da África nos bancos escolares... 433 elementos de estranhamento, já que o termo grego terra dos homens de pele negra (Difuila, 1995: 53). Heródoto, em sua acerca dos africanos, em um misto de estranhamento, admiração e desqualificação. Em sua lógica descritiva ele afirmava que “os homens daquelas regiões são negros por causa do calor” e os “etíopes da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos” (Heródoto, 1988: 95, 361). A relação entre a cor e o clima, associada à ênfase no tipo de cabelos revela o impacto que a diferença de fenótipos entre os europeus e os africanos causava ao estrangeiro. Além disso, afirmava o historiador que “o sêmem por eles ejaculado quando se unem às mulheres também não é branco [...], e sim negro como a sua tez (acontece o mesmo com o sêmem dos etíopes)” ( elogios aos etíopes, já que estes seriam “homens de elevada estatura e muito belos e de uma longevidade excepcional”.Na descrição geográfica da região o viajante grego acredita ser a Etiópia “a mais remota das regiões habitadas; lá existe muito ouro e há enormes elefantes, e todas as árvores são silvestres, e ébano (...)” ( 185-6). Porém, não só de curiosidade se constituem seus escritos. Emoutros trechos fica evidente a inferioridade dos etíopes perante os gregos e egípcios, já que estes eram bárbaros—sem civilização — e identificados como trogloditas. Aethiops, significaHistória, deixou registrada sua impressãoibidem: 182). Em seus comentários também encontramosibidem: Esses soldados, estabelecendo-se na Etiópia, contribuíram para civilizar os etíopes, ensinando-lhes os costumes egípcios ( Esses garamantes saem com seus carros de quatro cavalos à caça de trogloditas etíopes, pois os trogloditas etíopes são os corredores mais rápidos sobre os quais já ouvimos contar histórias. Esses trogloditas se alimentam de serpentes, de lagartos e de répteis do mesmo gênero; eles não falam uma linguagem parecida com qualquer outra, e emitem gritos agudos como os dos morcegos ( ibidem: 98).ibidem: 250). Ainda na Antigüidade, o geógrafo alexandrino Cláudio Ptolomeu, baseando-se em estudos anteriores, conseguia “com sua Geografia contornos da África” (Djait, 1982: 119). A África não passaria da região do Equador e o clima abaixo dele seria insuportável. Sua cartografia serviria de base para os teólogos e geógrafos medievais. No medievo, as imagens sobre os africanos foram completamente tangidas pelo imaginário europeu. A teoria camita e a fusão da cartografia de Cláudio Ptolomeu com cosmologia cristã rele- a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos Anderson RibeiroOliva 434 gam a África e os africanos às piores regiões da Terra. Na cartografia medieval, os mapas seguem um padrão, sendo a Terra um círculo com as terras conhecidas — Europa, Ásia e África—distribuídas no centro em forma de um T. Na realidade, o termo mais usado para designar essas representações era “mapas TO”, de Um exemplo desses mapas é o de Psalter (1250), ao lado (Noronha, 2000). Outra idéia explica a “nomenclatura TO: ela sugere o Cristo crucificado (T) e o oceano (O) que circunscreve todo o orbe” ou ainda o T como “representação geométrica dos três mares”, o Mediterrâneo, o Helesponto e o 1994: 24). O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante dos homens, e Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus aos céus, no centro. A Europa, cuja população descendia de Jafet, primogênito de Noé, ficava à esquerda (do observador) de Jerusalém e a Ásia, local dos filhos de Sem, netos deNoé, à direita. Ao Sul aparece “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé” (Noronha, 2000: 681-689). Neste caso, mais uma vez o desprestígio recobria a África. Segundo os textos bíblicos, Cam foi punido por flagrar seu pai nu e embriagado. Seus descendentes deveriam se tornar escravos dos descendentes de seus irmãos e habitar parte do território da Arábia, do Egito e da Etiópia. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África, abaixo do Saara, os estranhamentos e os olhares preconceituosos continuam. No século XV, duas encíclicas papais— a Portugal de despojar e escravizar eternamente osMaometanos, pagãos e povos pretos em geral” (Lopes, 1995: 22). Além disso, o imaginário dos navegantes iria sobreviver, de forma diversa, nos séculos seguintes. Os temores sobre oMar Oceano e a região abai- Orbis Terrarum.mare indicum (Noronha, 2000: 681-689 e Kappler,Dum Diversas e a Romanus Pontifex—“deram direito aos Reis de AHistória da África nos bancos escolares... 435 xo do Equador iriam alimentar as elaborações e representações dos europeus sobre os africanos. Monstros, terras inóspitas, seres humanos deformados, imoralidades, regiões e hábitos demoníacos iriam ser elementos constantes nas descrições de viajantes, aventureiros e missionários.Emexcelente obra introdutória à História da África, Mary Del Priore e Renato Venâncio, retrataram essas construções mentais. Acreditava-se, também, que a parte habitável da Etiópia era moradia de seres monstruosos: “os homens de faces queimadas”. [...] A cor negra, associada à escuridão e ao mal, remetia no inconsciente europeu, ao inferno e às criaturas das sombras. O Diabo, nos tratados de demonologia, nos contos moralistas e nas visões das feiticeiras perseguidas pela Inquisição, era, coincidentemente, quase sempre negro (Del Priore e Venâncio, 2004: 56). Para a maior parte dos autores, a descrição física da zona meridional africana se associava à idéia de intolerância climática.No século XI, Vicente de Beauvais, dominicano e leitor da real família de França, opunha o Norte e o Sul para explicar que o primeiro era seco e frio e o segundo, quente e úmido. Ao norte, os homens seriam sadios e belos; ao sul, frágeis, doentes e feios. Por culpa do clima tórrido, seus corpos negros e moles eram sujeitos a males como a gangrena, a epilepsia, as diarréias. Ao norte, os corpos, isentos de doenças, teriam uma coloração rosada ( ibidem: 58). Ao longo dos contatos estabelecidos nos tempos modernos os preconceitos foram apenas se alternado. A ausência da fé cristã, trocada em África por “cultos pagãos e fetichistas”, de Estados organizados aos moldes dos europeus e o convívio com padrões urbanísticos, estéticos e artísticos diversos fizeram com que as leituras européias sobre a África pouco mudassem. No século XIX, as crenças científicas, oriundas das concepções do Darwinismo Social e do Determinismo Racial, alocaram os africanos nos últimos degraus da evolução das “raças” humanas. Infantis, primitivos, tribais, incapazes de aprender ou evoluir, os africanos deveriam receber a benfazeja ajuda européia, por meio das intervenções imperialistas no Continente. Neste mesmo período, o pensamento histórico passa por (re)adequações, surgindo uma espécie de história científica. As perspectivas das reflexões historiográficas, do século XIX até a década de 1960, espelham, em parte, os silêncios insuportáveis que até pouco tempo se fizeram sobre a temática no Ocidente e no Brasil, e explicam a manutenção das representações construídas em relação aos africanos. Partindo da idéia de que a história é o campo das ações — mentais e materiais — humanas no tempo, a África é a região do mundo de mais longa historicidade. Berço da Anderson RibeiroOliva 436 humanidade, esse Continente foi palco de diversificadas experiências sociais e múltiplos fenômenos culturais. No entanto, o aparecimento da “ciência histórica”, na Europa dos oitocentos, desconsiderou, por meio de seus pressupostos, a história vivenciada naquele Continente. Nas leituras dos autores que abordaram a trajetória da historiografia africana encontramos alguns elementos em comum na identificação de como a África aparece nos escritos historiográficos ocidentais e nos dos próprios africanos. A divisão/classificação desses escritos, realizada pelo cientista social guineense Carlos Lopes, servirá como guia de nossa incursão. Segundo Lopes, existiriam três grupos nos quais poderiam ser localizadas, por afinidades maiores, as diversas investigações ou “falas” realizadas sobre a África, a partir do século XIX: a Corrente da Inferioridade Africana, a Corrente da Superioridade Africana, e uma Nova Escola de estudos africanos. Para uma melhor apreensão dessas interpretações, é preciso lembrar que elas são herdeiras diretas de um imaginário bastante distorcido acerca dos africanos. Segundo os pensadores do século XIX, os povos africanos subsaarianos encontravam-se imersos em um estado de quase absoluta imobilidade, seriam sociedades sem história.No caso, é preciso que se frise que aHistória, naquele momento, passara a se confundir com dois elementos: as trajetórias nacionais—entendidas como os inventários cronológicos dos principais fatos políticos dos Estados europeus, quase sempre protagonizados por figuras ilustres ou heróis; e com o movimento retilíneo e natural rumo ao progresso tecnológico e civilizacional. Dessa forma, a idéia da transformação, da busca constante pelo novo, pelo moderno, se tornaria uma obsessão. Além disso, devido aos rigores metodológicos, o passado somente poderia ser acessado com o uso dos documentos escritos oficiais. Observados de dentro dessa perspectiva histórica, os povos africanos não possuíam papel de destaque na história da humanidade. Primeiro pela ausência, em grande parte das sociedades abaixo do Saara, de códigos escritos—havia a predominância da tradição oral. E, segundo, por serem classificadas como sociedades tradicionais 14 já 15 como em uma bolha do tempo, o passado —, estando fadados a um eterno imobilismo. Os pesquisadores que abordam a construção da historiografia africana utilizam exemplos, que hoje poderíamos chamar de “clássicos”, para descrever este estado de — quando a tradição aparece no sentido de preservar,coisas. O mais citado é a AHistória da África nos bancos escolares... 437 categórica afirmação do filósofo alemão Friedrich Hegel, ainda na primeira metade do séc. XIX, acerca da inexistência da História em África, ou de sua insignificância para a humanidade. A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a mostrar,movimentos históricos próprios dela.Quer isto dizer que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que entendemos precisamente pela África é o espírito a-hstórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de natural e que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da história do mundo. (Hegel, 1995: 174). Apesar de Hegel não ter uma influência tão significativa assim nos historiadores do período seguinte, parece que essa idéia não ficou limitada aos oitocentos, influenciando trabalhos posteriores. Manuel Difuila lembra que um dos primeiros estudiosos das temáticas africanas, H. Schurz, comparou a “História das raças da Europa à vitalidade de um belo dia de sol, e a das raças da África a umpesadelo que logo se esquece ao acordar” (Difuila, 1995: 52). Ainda nesta direção um renomado professor da Universidade de Oxford, Sir Hugh Trevor-Hoper, demonstrou, em 1963, compartilhar das idéias de seus companheiros anteriores. Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África. O resto são trevas [...], e as trevas não constituem tema de história [...] divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tribos bárbaras nos confins pitorescos do mundo, mas que não exercem nenhuma influência em outras regiões” 16 (apud Fage, 1982: 49). Para os historiadores do século XIX ou da virada para o XX, a História da África—vivenciada ou contada—teria começado somente no momento em que os europeus passaram a manter relações com as populações do Continente. Não só pela ação de registrar e relatar, feita por viajantes, administradores, missionários e comerciantes do século XV ao XIX, mas principalmente pelas mudanças introduzidas pelos europeus na África. O filósofo africano Valentin Mudimbe chamou a atenção, por exemplo, sobre as argumentações utilizadas pelos europeus para explicar as origens da técnica estatuária usada pelos iorubás, da arte do Benin e da arquitetura do Zimbabwe. Todos esses elementos de destaque da cultura africana seriam frutos de interferências de outras civilizações na África negra, e não criação africana (Mudimbe: 1988, 45). Carlos Lopes apresenta outras pesquisas neste estilo. A tendência seria, de alguma forma, preservar as afir- Anderson RibeiroOliva 438 mações de que a África não possuiria história, e de que tudo lá encontrado não passaria de uma cópia inferior ao produzido em outros lugares. Ao estudar os conhecimentos astronômicos dos Dogon nos anos 40, M. Griaule e os seus discípulos ficaram fascinados com o nível de conhecimentos existente. Recentemente, o conhecido astrônomo Carl Sagan, da Universidade Cornell, decidiu avaliar esses mesmos conhecimentosDogon, e concluiu que os “Dogon, em contrate com todas as sociedades pré-científicas, sabiam que os planetas, incluindo a Terra, giram sobre si próprios e à volta do Sol”... Como é que se pode explicar este extraordinário conhecimento científico? Sagan não duvidou um segundo que deve ter sido devido a um gaulês que atravessou aquelas paragens, e que provavelmente estava mais avançado que a ciência da época (Lopes, 1995: 23). Infere-se, portanto, que, há cinqüenta anos, investigar o passado do Continente negro ainda era uma tarefa marcada por um certo isolamento e pelo descaso. Mesmo que percebida como inovadora, por alguns, a maioria dos historiadores a julgava desnecessária ou inviável. foi condenando por muitos deles ao esquecimento ou à inferioridade. A mudança dessa perspectiva começou a ocorrer um pouco antes das lutas pelas independências, nos anos 1950 e 1960, e se estenderia até o final da década de 1970. De uma forma geral, pode- se afirmar que, na segunda metade do século XX, aconteceu uma espécie de revolução nos estudos sobre a África. As investigações se diversificaram e ampliaram suas abordagens. Em um primeiro momento, a fragmentação política do Continente forçava a construção de histórias nacionais para cada região “inventada” pelos europeus e reinventada pelos africanos. De forma geral, a independência criou, por parte de uma nova elite política e intelectual, a necessidade da elaboração das identidades africanas dentro do Continente, e deste perante o mundo. Para isso, era imprescindível retornar ao passado em busca de elementos legitimadores da nova realidade e encontrar heróis fundadores e feitos maravilhosos dos novos países africanos e da própria África. Por essa visão, o Continente possuiria uma história tão rica e diversificada quanto a européia. Segundo o filósofo africano Kwame Appiah, era preciso ter qualidades e forças em um mundo competitivo e em uma África submersa em problemas dos mais diversos tipos. Para ele, entre esses primeiros pensares pós-independência estaria o aparecimento 17 O Continente que deu vida ao próprio homem AHistória da África nos bancos escolares... 439 de ideologias que defendiam e (re)significavam a identidade africana: o pan-africanismo e a negritude. Ambas, com intensidades e objetivos diferentes, buscavam enfatizar a existência de uma identidade comum africana, que serviria como sinal distintivo e de qualificação, muitas vezes apaixonada, dos africanos com relação ao resto da humanidade (Appiah, 1997: 19-53). Essas correntes tiveram uma grande influência nos estudos ali organizados até o final dos anos 1970, e na própria articulação e crescimento dos movimentos negros do outro lado do Atlântico. Uma das principais gerações de pensadores desse grupo foi a dos intelectuais liderados pelos africanos Joseph Ki-Zerbo e Cheikh Anta Diop. A maior parte dos historiadores ligados a esse movimento supervalorizou o argumento de que a África também tinha sua história. Tal iniciativa fez com que Carlos Lopes chamasse esse grupo de “Pirâmide Invertida”, ou Corrente da Superioridade Africana. Para Lopes, não seria difícil entender ou justificar este nome, já que eles estavam ligados à iniciativa de modificar as leituras e visões sobre a África, procurando redimensionar sua história, inclusive colocando-a como o ponto de partida para explicar a História Ocidental (Lopes, 1995: 25-26). As investigações deveriam, portanto, focar a África em sua própria trajetória. As histórias dos reinos e civilizações africanas foram utilizadas como exemplo da capacidade de organização, transformação e produção africanas, que em nada ficava a dever para os padrões europeus. Assim como os vestígios materiais deixados do passado—técnicas de cultivo, padrões de estética da arte estatuária, ruínas dos mais diversos matizes—foram usados para evidenciar as qualidades do Continente. No entanto, os autores que abordam o período são unânimes em afirmar que os esforços dessa vertente Um dos mais evidentes era a ação desproporcional de enaltecer as características histórico-culturais da África. A imprecisão, aqui, foi cometer o mesmo erro dos estudos europeus, só que agora não utilizando o eurocentrismo, mas sim o afrocentrismo. Em alguns estudos os africanos passaram a ser percebidos como meras vítimas das ações externas, perdendo novamente o papel como agentes históricos ( Anderson RibeiroOliva 440 toriadores, competia a eles a trabalhosa tarefa de ampliar os estudos sobre o Continente e integrar suas pesquisas às constantes inovações da historiografia mundial ( Nesse período, ficou claro que as fontes escritas não eram tão escassas para a África. Arquivos ultramarinos europeus, na própria África, além das diversas fontes em árabe, facilitavam a investigação sobre certos sistemas vigentes durante séculos na história da região. Houve também uma sofisticação do uso de metodologias no caso da tradição oral, assim como a aproximação com a Antropologia, a Lingüística e a Arqueologia, que já ocorria há algum tempo, acentuou-se. Nos últimos anos, a historiografia africana passou a ser caracterizada por estudos ligados às epidemias, ao cotidiano, às novas tendências da economia e da ciência política, da importância do regional, do gênero, da escravidão, da cultura política, das influências da literatura e de uma quase incontável diversidade de temáticas para investigação. Pesquisas realizadas por africanos e africanistas têm procurado desvendar e explicar o Continente pelas óticas sempre diversificadas das reflexões históricas. Estudos sobre o passado remoto ou recente das regiões, do processo de formação da África atual, do entendimento da diversidade de suas culturas e povos, das releituras sobre os contatos com os europeus e sobre os complexos problemas a que submerge hoje o Continente foram alvo de uma quantidade avassaladora de investigações. Encontros e publicações para aqueles que se interessam pelo seu passado. Apesar dos problemas, alguns inerentes à própria situação socioeconômica da região, e às heranças e ranços historiográficos que ainda insistem em destratar ou minimizar a relevância dos estudos históricos ali desenvolvidos, as investigações aumentaram em termos quantitativos e qualitativos. De qualquer forma, e apesar dos esforços, seria precipitado afirmar que as velhas representações sobre os africanos tenham desaparecido. Talvez a viagem de Lula à África tenha sido um sinal disso. ibidem: 28).19 têm imprimido um ritmo estimulante O livro didático de História entre representações Se levarmos em consideração que a grande maioria dos autores de livros didáticos são historiadores, ou pelo menos professores deHistória, os manuais escolares—com seus textos escritos e ima- AHistória da África nos bancos escolares... 441 géticos — ganham o Da mesma forma, seria natural pensar que as mesmas serão (re)significadas pelos seus leitores, sejam eles professores ou alunos. Entendemos, portanto, que os textos e os recursos imagéticos presentes em um livro didático—mapas, figuras, fotografias, pinturas, charges ou desenhos—são produtos da interpretação e da representação de uma certa realidade pelos seus autores. Os próprios manuais guardam uma larga possibilidade de entendimento a partir do contexto no qual foram fabricados, do momento historiográfico vivenciado, das diversas demandas e influências que se apresentaram na elaboração desse tipo de material e de ideologias ou mentalidades circulantes. Ao escrever um texto sobre a formação dos Estados nacionais europeus e ignorar a multiplicidade étnica da África pré-colonial, ou utilizar imagens de africanos escravizados e brutalizados e não aquelas em que aparecem resistindo ou interagindo ao tráfico, o autor está fazendo uso de uma série de critérios: sua formação acadêmica, suas convicções ideológicas, seu contexto histórico, o público para quem está elaborado o material, a intenção das editoras, as limitações de sua formação para tratar todos os assuntos e as pressões do mercado editorial. De certa forma, seu trabalho final é o resultado de seus olhares direcionados e cheios de significados e interpretações, resultando num tipo de representação da história. O livro didático status de serem representações da História. [...] é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstraram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca [...] (Bittencourt, 1997: 72) A partir das palavras e imagens—significantes—presentes nos livros, os próprios alunos irão construir suas representações— significados — ou somente absorverão as representações elaboradas pelos autores. De acordo com Zamboni Com relação à produção do conhecimento em sala de aula, lidamos diretamente com a construção e elaboração de imaens e palavras. Neste aspecto, a compreensão dos sentidos das palavras é de fundamental importância [...] Quando uma palavra adquire determinado significado, pode ser aplicada a outras situações: é a aplicação de um conceito a novas situações concretas, é um tipo de transferência. (Zamboni, 1998: 94-5) Entretanto, acreditamos que a construção de significados em sala de aula não se limita às palavras ou textos escritos. As ima- Anderson RibeiroOliva 442 gens, além de contribuírem para o processo de ensino-aprendizagem em História ( de os alunos olharem os indivíduos ou grupos sociais que convivem com eles. ibidem: 75), também informam uma maneira A imagem enquanto representação do real estabelece identidade, distribui papéis e posições sociais, exprime e impõe crenças comuns, instala modelos formadores, delimita territórios, aponta para os que são amigos e os que se deve combater. (Meireles, 1995: 101) Seria plausível, então, pensar que se uma criança africana, européia ou brasileira for acostumada a estudar e valorizar apenas ou majoritariamente elementos, valores ou imagens da tradição histórica européia elas irão construir interpretações ou representações influenciadas pelas mesmas. Da mesma forma, se as imagens reproduzidas nos livros didáticos sempre mostrarem o africano e a História da África em uma condição negativa, existe uma tendência da criança branca em desvalorizar os africanos e suas culturas e das crianças africanas em sentirem-se humilhadas ou rejeitarem suas identidades. 20 Tentaremos, neste artigo, realizar um exercício inicial sobre essas questões. Um estudo de caso: a África na Mario Schmidt Nova História Crítica de “Muitos brasileiros de hoje descendem de povos africanos. Por isso, conhecer a história da África nos faz conhecer nossa própria história”. É com esse parcial Schmidt volume de sua coleção intitulada maiores reflexões sobre o tema que se registre o elogio. Juntamente com outras poucas coleções, esta é uma das obras que dedica um espaço exclusivo para tratar o Continente. Quase sempre, a África aparece em óbvias passagens daHistória do Brasil ou Geral, ligada à escravidão, ao domínio colonial no século XIX, ao processo de independência e às graves crises sociais, étnicas, econômicas e políticas em que mergulhou grande parte dos países africanos formados no século XX. A África torna-se um apêndice ou um complemento. São poucos os livros que dão destaque à Por razões que talvez espelhem as defasagens da formação acadêmica e do mercado editorial, e as circunstâncias específicas da elaboração de um livro didático, o autor do manual incorreu em 21 argumento que Mario Furley22 inicia o décimo primeiro capítulo (África) do segundoNova História Crítica. Antes deHistória da África. AHistória da África nos bancos escolares... 443 algumas imprecisões—que têm sido comuns quando o assunto é abordado. Mesmo citando uma literatura clássica sobre a historiografia africana, e apesar de vários aspectos positivos de seu texto, observar os desvios cometidos motivam a análise sobre a questão. Voltemo-nos a elas. Apesar do título da coleção, o livro de Schmidt demonstra ter uma inquestionável influência “marxista”. O vocabulário empregado em certas passagens ao longo dos capítulos, e da própria Introdução História —, evidenciam uma abordagem marcadamente econômica dos temas e o uso de conceitos como o de luta de classes, ancorando parte de sua narrativa nos antagonismos entre dominados e dominadores, capitalistas e proletariados, senhores e escravos. Mesmo que, no como referencial teórico, e nas temáticas abordadas dê uma atenção especial a aspectos culturais, a influência dos pressupostos da Nova História Francesa ou da História Social Inglesa é limitada. Seu texto possui uma base “marxista” e que ao poucos vai incorporando as pesquisas e idéias oriundas das novas concepções historiográficas. Na realidade, soma-se a um grande grupo de livros que se encontram em uma espécie de transição. No que concerne ao estudo da História da África, o volume aqui analisado guarda algumas singularidades e alguns lugares comuns. No Schmidt procura justificar a inserção de um capítulo deHistória da África na sua coleção. da série — uma espécie de Introdução ao Estudo daManual do Professor, o autor cite a História SocialManual do Professor, que vem separado do livro didático, Eis aqui um tema freqüentemente negligenciado por nosso ensino. Falta mais grave quando sabemos que todos os brasileiros são culturalmente descendentes dos africanos. Como falar de um assunto tão vasto em tão pouco espaço? Preferimos nos concentrar em alguns aspectos fundamentais. Primeiro, mostrar aos alunos que os “africanos” são na verdade diferentes uns dos outros (e apenas alguns desses povos vieram como escravos para o Brasil). Segundo, rejeitar os clichês próprios de filmes, desenhos animados e quadrinhos etnocêntricos, ao estilo Tarzan e Fantasma. Procuramos transmitir nosso próprio sentimento de encanto e surpresa com as maravilhosas criações dos povos africanos: as pirâmides de Méroe, a vida intelectual agitada em Tombuctu, as geniais esculturas iorubás, o imponente e misterioso grande Zimbábue. (Schmidt, 1999b: 24) Se, de fato, é um tema negligenciado pelo nosso ensino, por que o autor alerta que sua abordagem será restrita, se sua intenção é valorizar ou minimizar o esquecimento daHistória da África que Anderson RibeiroOliva 444 fizesse uma análise efetivamente abrangente. Como veremos logo a seguir, se sua coleção possui espaço para tratar a Reforma Religiosa européia em catorze páginas, por que reservar apenas dez para toda a África pré-colonial? Escolha do autor? Da editora? Do mercado consumidor? Dos currículos? Tais questões nos fazem percorrer rapidamente o citado volume realizando um balanço das páginas dedicadas aos assuntos. É revelador o grande espaço reservado às temáticas oriundas de uma abordagem eurocêntrica da História, e as restrições a que são submetidas aHistória da América e da África. Por exemplo, enquanto os capítulos que tratam de temas como EuropaMedieval, AbsolutismoMonárquico, Renascimento Cultural e Construção do Pensamento Moderno Ocidental quinze, vinte e dezoito páginas e vasta bibliografia, a História da América pré-colombiana, América Espanhola e História da África 23 possuem respectivamente vinte, 24 apoio restrita. Ou por falta de conhecimento ou de interesse, a escolha foi feita no sentido de conceder menor atenção para essas temáticas. Com relação à História da África, a bibliografia citada, apesar de conter nomes importantes da historiografia africana, é ainda bastante restrita se comparada à difusão de estudos e pesquisas que a História da África passou nos últimos vinte anos. A presença dos trabalhos de Basil Davidson, Roland Oliver, Joseph Ki-Zerbo demonstra o contato com a vertente de estudos efetuados até a década de 1970. Já a citação da obra de Alberto da Costa e Silva revela um pequeno contato com os novos estudos, porém, a referência é ainda insuficiente. possuem, cada uma, onze, dez e dez páginas, e literatura de25 Fora o capítulo específico sobre a África, ela transita em outras partes do volume. No capítulo 5 — “A ExpansãoMarítima” -, o Continente é retratado ora como um obstáculo a ser superado para atingir o lucrativo mercado de especiarias do Oriente, ora como uma fonte de riquezas naturais — ouro, marfim — ou de oferta de mão-de-obra — os escravos. Apesar de tantos riscos, de tantas incertezas, aqueles bravos homens toparam o desafio. E fizeram o que nenhum outro europeu havia conseguido antes: contornar o litoral da África, alcançaram o Oriente pelo mar e chegaram à América. E tudo em apenas algumas décadas! (Schmidt, 1999: 94) Ao contornar a África, os portugueses observavam o que podiam. Na África haviam interessantes riquezas: o marfim, por exemplo, o precioso dente do elefante, que servia para fazer objetos de luxo. Na Guiné, uma AHistória da África nos bancos escolares... 445 região ao sul do deserto do Saara, era possível obter ouro em boas quantidades... A África também tinha algo que atraiu a cobiça européia: seres humanos ( ibidem: 102). Um ponto de destaque no capítulo é a citação sobre o viajante muçulmano Ibn Battuta, que percorreu grande parte da África setentrional deixando em sua obra, Viagens, 26 suas observações pessoais. Com relação, ao que ele menciona sobre Ibn Battuta, alertamos para as imprecisões e a pequena relevância concedida a sua passagem sobre a África, já que Schmidt cita suas impressões acerca da Ásia. Neste mesmo capítulo, o autor transita entre outros acertos e desacertos. Quando trata das relações da África com o mercantilismo europeu e a sua integração aoMundo Atlântico o autor utiliza corretamente uma imagem feita por um grupo étnico que habitava o Benin, representando os europeus que chegavam ao Continente. A postura mercantil-bélica fica evidente na pequena estatueta. Alertar para as representações feitas de europeus pelos diversos grupos africanos é um exercício fecundo para que os alunos passem a reconhecer a diversidade cultural e a autonomia dos grupos humanos da África. Normalmente, o que ocorre é a reprodução das representações elaboradas pelos europeus sobre os africanos. Porém, ao analisar os efeitos da escravidão nas populações africanas, o texto revela uma frágil preocupação com o contexto histórico da época, sendo evidentemente carregado de juízos de valor e de um grave anacronismo. informações coletadas pelas Anderson RibeiroOliva 446 (Schmidt, 1999: 102) (Schmidt, 1999: 102) Por incrível que pareça, alguns papas chegaram a autorizar a escravização dos africanos. A Igreja Católica alegava que essa era uma maneira de fazer os africanos “abandonarem as religiões do diabo e conhecerem o cristianismo”. (Schmidt, 1999:102) Ao exigir da Igreja Católica do período uma postura contrária à que historicamente manteve, o autor desconsiderou as perspectivas teológicas e temporais do Catolicismo. A idéia de que a Igreja foi omissa ou permissiva não condiz com as práticas e posturas do Vaticano à época, são reflexões que encontram eco apenas a partir dos olhares contemporâneos. os elementos que embasaram as bulas papais que autorizavam os reis portugueses a escravizar eternamente os muçulmanos, os pagãos e os africanos negros, foram retirados de um imaginário maior, no qual o negro e os infiéis eram tipificados como inferiores aos homens da cristandade européia. o uso pouco adequado de uma imagem ilustrando a relação da Igreja com a escravidão.Nela é reproduzido o estereótipo do negro passivo, submisso e sofredor. Já no capítulo 13, “O Escravismo Colonial”, Schmidt incorre em erros tradicionais à literatura didática. Um dos mais “clássicos” é se referir à África apenas a partir do tráfico, como se o Continente não tivesse uma história anterior à escravidão atlântica. Schmidt não repete este deslize, porém, ao reproduzir o mapa do tráfico de escravos volta a uma antiga divisão, na qual a África se encontra separada em duas ou três faixas étnico-geográfico-lingüísticas de onde sairiam os escravos. A diversidade e complexidade dos povos africanos ficam nubladas ao realizarmos este imperfeito fatiamento da África. Os alunos, ao terem contato com está simplista leitura passam a reproduzi-la, transformando milhares de grupos étnicos em outros dois— livro procura estabelecer uma outra divisão, na qual, usando ainda uma fusão de grupos lingüísticos com espaços físicos, opta por denominar as regiões do tráfico em África deGuiné, Costa daMina e Angola, de onde viriam os “congos” e os “angolas”. Parece que soma voz às leituras científicas do século XIX que percebiam os africanos subsaarianos como iguais, em sua simplicidade e inferioridade. Ao fazer referência do uso da escravidão noMundo Atlântico e das motivações econômicas que alimentaram o tráfico negreiro, duas posturas do autor incomodam. Primeiro, ele não faz alusão explicativa à escravidão tradicional africana, como se a escravi- 27 Não podemos esquecer que28 Soma-se a esse quadro passionalbantos e sudaneses.Oautor do AHistória da África nos bancos escolares... 447 dão fosse uma invenção árabe ou européia naquele Continente. 29 das profundas diferenças entre a escravidão praticada pelos africanos e aquela utilizada sob influência dos árabes ou europeus, seria fundamental um comentário sobre o tema. Segundo, ao tentar situar o aluno perante as relações das práticas materiais com as mentalidades de um certo período, a análise do autor se reveste de um perigoso anacronismo. Schmidt afirma que, mesmo sendo apoiada pela Igreja, governos, comerciantes, políticos, fazendeiros e pela mentalidade da época, em sua própria essência e nunca poderia ter sido justificada. O autor perde os limites temporais e os critérios do relativismo, fazendo com que o aluno visualize uma história na qual todos devem ter como valores e referências de vida os padrões ocidentais atuais. Mesmo sabendo30 a escravidão era injusta Além das necessidades econômicas, existia a mentalidade da época. A escravidão não era escandalosa como é hoje. Até mesmo os padres tiveram escravos. Já pensou se alguém disser que temos de aceitar as injustiças sociais de hoje porque no futuro alguém vai falar que no nosso tempo “as injustiças eram normais?” (Schmidt, 1999: 213). De forma parecida, não existem menções aos africanos traficantes. Para o autor, somente os comerciantes portugueses, espanhóis, ingleses e brasileiros fizeram parte das redes de lucro oriundas de tal atividade. A participação de africanos no comércio de homens é simplesmente ignorada ( Com relação ao capítulo 11, “África”, algumas considerações gerais a realizar. Schmidt se esforça em legitimar o estudo da África, o que não deixa de ser um ponto louvável. Porém, o critério por ele eleito nos parece falho. Ao citar os grupos étnicos africanos que foram estudados, o autor utilizou uma difundida idéia entre os historiadores africanos ibidem: 205 e 211). Anderson RibeiroOliva 448 (Schmidt, 1999: 205) pertencentes à chamada corrente da “Superioridade Africana”, 31 que no período próximo —anterior e posterior—às independências utilizaram padrões ou referências europeus para afirmar ao mundo e aos próprios africanos que a História do Continente negro possuía elementos sofisticados e formas de organização avançadas, e que deveriam ser estudadas. Neste sentido, encontrar os grandes “impérios”, as grandes construções e as esplendorosas obras de arte tornou-se quase que uma obsessão. era e é uma região de grande autonomia, capacidade criativa e de fecunda participação na História geral, não seria preciso eleger padrões europeus para sua afirmação. Esta crítica já foi feita, com grande pontualidade, a alguns daqueles historiadores. Porém, Schmidt parece desconhecê-la, pois é justamente esse o critério eleito pelo escritor para selecionar o que será estudado no capítulo. 32 Porém, se a África Quem não admira o povo do rioNilo, das múmias, dos faraós, que escrevia livros de Matemática e construía pirâmides? A maioria dos egípcios antigos eram africanos e tinham a pele negra ou mulata. O que é mais uma prova contra as pessoas racistas que teimam em dizer que “os negros não foram capazes de formar uma grande civilização”. Acontece que o Egito não foi a única grande civilização da África. Existiram muitas outras. É o que descobriremos a partir de agora (Schmidt, 1999: 177). Como se os “pequenos” grupos não tivessem relevância, ou diante da impossibilidade de atentar para os milhares de grupos que se espalham pela África, a seleção ocorreu se espelhando na História da Europa: o estudo das grandes civilizações ou reinos. Não é isso que realizamos com relação ao ensino da História? Não elegemos a Civilização Grega, o Império Romano, o Império Bizantino, a Civilização muçulmana? Não ignoramos a existência em África de organizações políticas ou sociais, com grandes semelhanças às européias ou americanas, mas é preciso que se demonstre e enfatize suas singularidades e especificidades. Com relação à forma de denominar ou identificar as etnias africanas, o uso de alguns termos ou conceitos como nação ou civilização parece ser por demais impreciso, diante do grande suporte que as pesquisas antropológicas e históricas já deram sobre o assunto. Soma-se a isso uma abordagem muitas vezes simplista e restrita a descrições da economia ou da formação política de reinos como o da Núbia — civilização Kush —, de Gana, do Mali, do Kongo e do Ndongo e de etnias como a dos hauças, iorubás, ibos, askans e ajas. Fica evidente que o autor encontra dificuldades em tratar os grupos étnicos africanos, e confunde ainda mais os alunos AHistória da África nos bancos escolares... 449 ao usar termos ou definições que se ajustam mais especificamente ao contexto histórico europeu ou de outras regiões do que ao africano. Não que não possam ser aplicados no entendimento da África, mas, se utilizados, devem ser contextualizados. Porém, neste caso, o uso de pouco didática. É o que ocorre, por exemplo, ao tentar explicar que eram os hauças, da África Ocidental. civilização, nação e povo como sinônimos é uma postura A [...] Os hauças eram, na verdade, diversos povos que falavam uma língua semelhante. Habituados ao comércio internacional, os hauças aceitavam conviver com pessoas de outras civilização dos hauças começou a ser construída por volta do século XInações [...]. (Schmidt, 1999:179-180) Outra confusão acerca da questão ocorre quando o autor refere- se aos iorubás.Na África, esse grupo passou apenas a se identificar dessa forma por volta do século XVIII. Até então eles se auto- identificavam de acordo com a origem de suas cidades ou pequenos reinos: Oyo, Ifé, Ijexá, Ketu, Ijebu. No Brasil, foram chamados, de uma forma geral, de nagôs. São praticamente inexistentes as referências que denominam os iorubás na África como nagôs. Porém, Schmidt parece desconhecer este dado. Muitos habitantes do povo ioruba vieram escravizados para o Brasil, a partir do século XVIII. Era comum chamá-los de nagôs, embora na verdade os nagôs fossem apenas os iorubás estabelecidos onde hoje está o Benin. ( ibidem: 181) Quando passa a descrever algumas características gerais das civilizações africanas eleitas para estudo, o autor volta a incorrer em desacertos. Por exemplo, ao citar a cidade de Tombuctu, no Mali, Schmidt ressalta a importância cultural e comercial da região, mas insere no texto e nos seus comentários conceitos ou termos que só poderiam ser aplicados em outros contextos. É o que acontece quando ele faz referência à Tombuctu como um centro de comércio internacional. Essa famosa cidade tinha dezenas de milhares de habitantes e uma das maiores universidades do mundo. Era também um grande centro de comércio internacional. Vendiam-se até livros escritos em árabe que abordavam assuntos comoMedicina,Geometria, Religião, Poesia eHistória. ( ibidem: 179) Podemos perguntar: onde estavam as momento, já que partimos da premissa de que o comércio nações africanas naquele Anderson RibeiroOliva 450 internacional ocorre entre nações. Ao mesmo tempo, era de se esperar que a conversão de parte das populações da área ao islamismo fizesse da leitura do Alcorão e de outros textos em árabe uma prática comum. Por que então o espanto do autor ( livos... Ocorreram também imprecisões e simplificações, ao descrever a cultura material dos “reinos” do Kongo e Ndongo. O autor poderia ter enfatizado a relevância da metalurgia e o circuito comercial que envolvia as atividades econômicas da região, mesmo que não fosse a atividade econômica principal. Porém, ele segue o caminho da simplificação: “A organização social dos reinos Kongo e Ndongo era semelhante. Produziam ferro e sal, criavam galinhas, cachorros e cabritos” ( Alguns deslizes mais graves demonstram a pouca preocupação do autor em permitir a construção de conhecimento e análises por parte dos alunos. Ele antecipa essa ação e incorre emarriscadas afirmações. Isso se torna claro em passagens nas quais Schmidt tece considerações sobre o poderio militar/econômico e as práticas da cultura material de alguns grupos africanos. As imprecisões variam entre a emissão de juízos de valor e a realização de leituras anacrônicas. Ao tratar dos conflitos entre o Abomei (Daomé) e os iorubás, Schmidt comenta uma das conseqüências do conflito: “Infelizmente grande parte das riquezas do reino Abomei vieram do comércio de escravos” ( que? Algo parecido repete-se ao citar uma das características “comuns” às culturas do reino do Kongo e do Ndongo, na qual transparece uma ação “moralizadora” ocidental despropositada em evidenciar o consumo de bebidas alcoólicas na região. Vendiam-se até)?ibidem: 181).idem). Infelizmente para quem? E por O vinho feito de palmeira era muito apreciado, embora fizesse muito mal à saúde quando bebido exageradamente. O guerreiro bêbado era fácil de ser derrotado, o sábio bêbado não passava de tolo. ( idem) Interessante notar que a mesma crítica não ocorre com relação aos europeus. Outra limitação evidente é concentrar a análise na costa ocidental do Continente, reservando um pequeno parágrafo à África oriental, que é assim apresentada. No litoral oeste da África, banhado pelo oceano Índico, muitas cidades- estados se desenvolveram em função do comércio internacional. Mercadores árabes e chineses traziam seus produtos em troca de ouro, marfim e cobre. As escavações dos arqueólogos já encontraram até mes- AHistória da África nos bancos escolares... 451 mo, vasos de porcelana chinesa antiga! (Também existem pinturas chinesas antigas representando girafas africanas) ( ibidem: 182) No que se refere às cosmologias africanas, em nenhum momento o autor atenta para uma abordagem explicativa da relação entre as diferentes percepções e definições daquilo que os ocidentais chamam de religião para as elaborações africanas sobre a questão. A literatura existente sobre o pensamento tradicional religioso africano oferece um rico subsídio para este debate, na minha opinião, fundamental para relativizar o universo africano e demonstrar como suas estruturas de explicação das relações sociais e de suas cosmovisões são diferentes das ocidentais. 33 Schmidt incorre também em comprometedoras simplificações. Muitos povos africanos desenvolviam o culto aos antepassados. Os parentes mortos eram adorados como deuses por seus familiares, que acreditavam que os espíritos podiam ajudar ou perturbar o cotidiano dos vivos. Por isso, era comum jogar-se um pouco de bebida na terra para que o espírito do parente morto pudesse beber e se alegrar. [...] Uma parte importante dos africanos acreditava num único Deus: eles se tornaram muçulmanos. ( ibidem: 183) No primeiro exemplo se empresta ao universo africano algumas práticas que, se ocorriam em certas regiões do continente, possuíam significados singulares e complexos, comuns às tradições afro-brasileiras, sem maiores explicações ou detalhamentos. Já, na segunda citação fica uma inquietante dúvida: que parte importante dos africanos era monoteísta? E esse é o único elemento que possibilitou a conversão ao islamismo? Não podemos ignorar o fato de que o fenômeno religioso em África não tem as mesmas bases do que oOcidental. Por isso, para os povos da região seria mais adequado usar o termo cosmologia e não religião. Além disso, é difícil identificar este número tão grande de sociedades que “adoravam apenas um deus”. Destaca-se, no entanto, a citação do orixá Exu, divindade- chave do panteão iorubá, e que foi confundida e sincretizada pelos missionários cristãos tanto em África como na América como a figura do Diabo, da tradição judaico-cristã. Schmidt chama a atenção dos alunos para as faces africanas do orixá, mesmo que de forma superficial se afastando dos significados e funções de Anderson RibeiroOliva 452 (Schmidt, 1999: 183) maior destaque emprestados ao orixá pelos iorubás, mas evitando estereótipos e ocidentalizações. No uso das imagens, Schmidt parece se sair um pouco melhor, apesar das citações de fontes imprecisas ou ausentes. A apresentação do capítulo, com um conjunto de máscaras africanas, é bastante estimulante, assim como o mapa da África presente na página seguinte, que incorre, como ele mesmo alerta, em algumas imprecisões temporais, mas foge das representações cartográficas tradicionais dos manuais. As presenças de imagens da Mesquita de Sexta-feira, em Mopti, da cidade de Tombuctu, no Mali, do Grande Zimbabwe, assim como de esculturas feitas pelos iorubás e no Daomé, são importantes instrumentos na apresentação das formas arquitetôni- AHistória da África nos bancos escolares... 453 (Schmidt, 1999: 176 e 177) Mesquita no Mali (Schmidt, A cidade de Tombuctu ( 1999: 179) idem) cas, das religiosidades, artes e filosofias africanas. Da mesma forma, o autor inova traçando uma linha do tempo com os principais momentos da História do Continente. Schmidt também procura chamar a atenção dos alunos para as representações dos africanos feitas pelos europeus. A mudança Anderson RibeiroOliva 454 O Grande Zimbabwe (Schmidt, 1999: 182) As artes do Benin e ioruba ( ( ( ibidem: 180 e 181)idem)idem) da fisionomia dos africanos, de seus gestos, roupas e comportamentos, que recebem feições européias, é destacada pelo autor. A demonstração do preconceito europeu com o Continente, ou o olhar eurocêntrico que marcava a relação entre as partes citadas, pode se tornar uma abertura para o palco de debates e reflexões sobre a temática do racismo, da discriminação e da intolerância. No final do capítulo, Schmidt demonstra sua preocupação em articular os conteúdos históricos estudados com o contexto presente. Porém, a imagem que ele transmite aos alunos da África contemporânea é simplista e falsa. Ninguém desconhece as dificuldades e carências do Continente, mas resumir a África a essas faces é um perigoso argumento. “Hoje em dia, os países da África são pobres e a população passa por grandes necessidades” (Schmidt, 1999: 183). Reflexões Acredito que, percorrido esse breve caminho sobre a abordagem daHistória da África em nossos bancos escolares, temos ainda não respondida a questão que introduz o artigo—“o que sabemos sobre a África?”. Talvez demore mais algum tempo para que possamos — professores e alunos — fazê-lo com desenvoltura. Porém, fica evidente que ensinar a História da África, mesmo não sendo uma tarefa tão simples, é algo imperioso, urgente. As limitações transcendem—ao mesmo tempo em que se relacionam—os preconceitos existentes na sociedade brasileira, e se refletem, de um certo modo, no descaso da Academia, no despreparo de professores e na desatenção de editoras pelo tema. Por isso, não sei se aquela pergunta ainda uma tem resposta aceitável. É obvio que muito se tem feito pela mudança desse quadro. Louve-se, nesse sentido, a ação de alguns núcleos de estudo e pesquisa emHistória da África montados no Brasil, como o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), da Universidade Federalda Bahia, o Centro de Estudos Afro-Asiáticos e o Centro de Estudos Afro-Brasileiros, da Universidade CandidoMendes (UCAM), e o Centro de Estudos Africanos, da USP. Enalteça-se a iniciativa legal do governo, do movimento negro e de alguns historiadores atentos à questão. Ressalte-se a ação de algumas instituições e professores que têm promovido palestras, cursos de extensão e oferecido ou proposto cursos de pós-graduação emHistória da África, como na UCAM e na Universidade de Brasília (UnB). Porém, ainda exis- AHistória da África nos bancos escolares... 455 tem grandes lacunas e silêncios. A obrigatoriedade de se estudar África nas graduações, a abertura do mercado editorial — traduções e publicações—para a temática, até a maior cobrança de História da África nos vestibulares são medidas que tendem a aumentar o interesse pela História do Continente que o Atlântico nos liga. Talvez assim, em um esforço coletivo, as coisas tendam a mudar. Incursionar sobre o ensino de História da África parece se algo tentador, motivador e necessário. Esperamos que o presente trabalho venha a contribuir na melhoria e continuidade de algumas iniciativas aqui abordadas, sempre objetivando à formação humana e o reconhecimento do Continente que se conecta conosco pelas fronteiras Atlânticas. Notas 1. Sobre a temática ver os ótimos trabalhos de Nadai (1992),Munaka (2001), Fonseca (1993) e Diehl (1999), presentes na bibliografia. 2. Estamos nos referindo às importantes experiências com o ensino temático ocorridas no estado de São Paulo e em outras partes da Federação nos anos oitenta. Naquela oportunidade, os debates de (re)elaboração dos currículos deHistória nas Secretarias de Educação levariam à constatação de que o modelo de ensino até então adotado era insustentável e que era imperiosa a confecção de uma nova abordagem para a História ensinada nas escolas. Porém, neste momento, tirando os debates iniciais sobre a Nova História francesa que ocorriam na UNICAMP e na USP, o Brasil não possuía, nas graduações e nas pesquisas históricas, elementos suficientes para ancorar tal perspectiva. Já nos anos noventa o quadro era outro. Tanto as graduações como as pós-graduações já estavam voltadas para as temáticas comuns àNovaHistória, àHistória Social e à História Cultural, possibilitando uma “transferência” mais coesa dessas perspectivas para o ensino da História. 3. Sobre o tema ver o artigo escrito por Pereira (2001). 4. Como da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. 5. Citamos, como exemplo, o núcleo regional da ANPUH-RS, com seu Grupo de Trabalho (GT) sobre Ensino de História e Educação. 6. Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. 7. Lei 10639, de 9 de janeiro de 2003. “Art. 26-A.Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo daHistória da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo nego nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”. Anderson RibeiroOliva 456 8. A pesquisa se encontra em fase inicial, na qual, apenas quinze, das trinta coleções de livros didáticos de História, selecionadas para análise, foram compulsadas. As obras são as seguintes:Mozer (2002), Rodrigue (2001),Macedo (1999),Dreguer (2000) e Schmidt (1999). 9. A viagem ocorreu no mês de novembro de 2003. 10. Entre os vários pesquisadores que dissertaram sobre a trajetória da historiografia africana e pensaram as questões acerca das representações encontramos nomes como Joseph Ki-Zerbo,Djibril Tamsir Niane, Elikia M’Bokolo, Kwame Appiah, Franz Fanon, Carlos Lopes, José da Silva Horta, John Fage e Philip Curtin. 11. Para CarloGinzburg o termo guarda em sua aplicação nas ciências humanas uma certa ambigüidade, que se revelaria por dois encaminhamentos reflexivos acerca da questão. Para alguns a representação “faz as vezes da realidade”, lembrando sua ausência. Para outros, ela “torna visível a realidade representada e, portanto, sugere sua presença”. Neste caso, o primeiro exemplo seria efetivamente uma representação e seria lida como tal. Já no segundo exemplo ela poderia se confundir com o que é representado, não sendo mais percebida como um instrumento de ligação, para ser o próprio objeto que está sendo representado. Ocorreria, portanto, uma oscilação entre evocação e substituição do que é representado (Ginzburg, 1999: 85). Já para Roger Chartier “[...] nenhum texto—mesmo aparentemente mais documental [...]— mantém uma relação transparente com a realidade que apreende. O texto, literário ou documental, não pode nunca se anular como texto, ou seja, como um sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e de apreciação, regras de funcionamento, que remetem para as suas próprias condições de produção” (Chartier, 1988: 63). 12. Fanon nasceu na ilha deMartinica, na América Central, em 1925. Até sua morte, em 1962, esteve engajado na luta de libertação das colônias francesas na África. 13. Fora os trabalhos dos citados autores encontramos várias outras referências: Políbio, séc. II a.C.; Estrabão, séc. I a.C.; Plínio, o Velho, séc. I; Tácito e Plutarco, séc. II. 14. Desde da Antigüidade os escritos de viajantes ou “historiadores”, como Heródoto e Plínio, o Velho, fazem referência à África. No medievo, a teoria camita e a fusão da cartografia de Cláudio Ptolomeu com o imaginário cristão, relegam a África e os africanos às piores regiões da Terra. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África abaixo do Saara os estranhamentos e olhares simplificantes e reducionistas continuam. No século XIX, a ação das potências imperialistas no continente e a difusão das teorias raciais reforçam os estigmas já existentes sobre a região. 15. O conceito de tradicional aqui utilizado deve ser relativizado. Trabalhamos com a perspectiva de que as sociedades tradicionais se encontram abertas e, em grande parte das vezes, absorvem os impactos causados pelas mudanças sem maiores transtornos. Sobre a temática ver a obre de Appiah (1997). 16. Estas idéias foram expostas numa série de cursos apresentados pelo professor, intitulada “The Rise of Christian Europe”. Ver Fage (1982) 17. Mais à frente apontaremos os motivos disso. 18. A referência aos citados grupos de estudos sobre a áfrica hora como “grupos”, hora como “vertentes”, não ocorre por um descaso nosso, mas é apenas uma forma de de- AHistória da África nos bancos escolares... 457 monstrar a flexibilidade de classificação ou ordenamento de trabalhos utilizados em nossa pesquisa. 19. Desde os anos 1960, acontecem encontros e congressos sobre as mais diversas temáticas e investigações sobre a África. Porém, nos últimos quinze anos, esses eventos atingiram uma dimensão significativa, contando com um grande número de participantes e de pesquisas divulgados. Podemos citar alguns de maior relevância como o Colóquio de Construção e Ensino da História da África, as Reuniões Internacionais d História de África, os Congressos Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, os Seminários Internacionais sobre a História de Angola, o African Studies Association (ASA), nos EstadosUnidos; oWest African Research Association (WARA), no Senegal e nos Estados Unidos; o Women in Africa and African Diaspora (WARD), nos Estados Unidos; e o Association Canadienne dês Études Africaines (ACEA/CAAS), em Toronto. As publicações também têm tido um crescimento quantitativo e qualitativo de destaque, seja em obras coletivas, seja na divulgação de investigações e reflexões individuais. Ver Bibliografia. 20. Sobre a temática ver Silva (1995). 21. A História da África é um tema obrigatório e de grande fecundidade reflexiva, mesmo sem suas vinculações com a história do Brasil. 22. Autor de uma das novas séries de livros didáticos de História lançadas na segunda metade da década de 1990. 23. Na mesma ordem capítulos 3, 6, 10 e 16. 24. Respectivamente os capítulos 7, 15 e 11. 25. Um comentário mais específico dessas obras exigiria um esforço que não se adequaria a nossa proposta. 26. Ibn Battuta, 27. De novo alertamos que, não estamos desconsiderando os esforços de alguns missionários, religiosos ou teólogos contrários à escravidão. Apenas evidenciamos o debate político-diplomático-religioso de esferas hierárquicas maiores acerca da questão ou que se tornaram características gerais da Igreja. 28. Acerca da questão, ver o trabalho de Lopes (1995). 29. No capítulo 11, página 180, o autor separou um subtítulo—“A escravidão negra” Viagens. Tradução francesa de M. G. Slane, 1843.— para tratar da relação entre os africanos e a citada instituição. Porém, ele não menciona, de forma explicativa, a escravidão tradicional africana. Sobre o assunto, ver os seguintes trabalhos: Selma Pantoja (2000), Paul Lovejoy (2002), Patrick Manning (1988) e Alberto da Costa e Silva (1992). 30. Por motivos que transcendiam o fator econômico, já que o africano era percebido como inferior e pagão/infiel, podendo ser alvo da ação missionária e salvadora dos ocidentais. 31. O historiador guineense Maria Difuila organizou uma nova classificação para a historiografia africana, passando a dividi-la em três fases: corrente da Inferioridade Africana; corrente da Superioridade Africana; e os novos estudos africanos. Com relação à corrente da Superioridade Africana uma de suas principais características era supervalorizar o continente, ora utilizando categorias européias, no estudo de antigas civilizações africanas, ora afirmando a superioridade da África em relação ao mundo. Ver Difuila (1995). Anderson RibeiroOliva 458 32. Sobre a questão ver os trabalhos de Philip Curtin (1982), Manuel Difuila (1995) e Carlos Lopes (1995). 33. Sobre o assunto ver as obras de Appiah (1997), Horton (1990), Ray (2000) e Mbti (1977). Referências Bibliográficas ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (2003). metodologia APPIAH, Kwame Anthony (1997). BHABHA, Homi (2003). BIRMINGHAM, David (1995). “History in Africa”. História de África BIRMINGHAM, David (1992). BITTENCOURT, Circe (org.) (1997). “Livros didáticos entre textos e imagens”. Bittencourt (org.), CHARTIER, Roger (1988). CORREIO BRAZILIENSE, 8 de novembro de 2003, p.2. COSTA E SILVA, Alberto (1992). de Janeiro, Nova Fronteira. (2002). Nova Fronteira. (2003). Nova Fronteira. CURTIN, P. D. (1982). “Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral” Paulo/Paris, Ática/Unesco. DEL PRIORE,Mary&VENÂNCIO, Renato (2004). da África Atlântica DIEHL, Astor Antônio; CAIMI, Flávia Eloísa & MACHADO, Ironita (orgs.) (1999). Ensino de história: conceitos, temáticas e. Rio de Janeiro, Casa da Palavra; FAPERJ.Na casa de meu pai. Rio de Janeiro, Contraponto.O local da cultura. Belo Horizonte, Editora UFMG.Colóquio Construção e Ensino da. Lisboa, Linopazas, pp. 31-50.A África Central até 1870. Luanda, ENDIPU/UEE.In C.Osaber histórico na sala de aula. São Paulo, Contexto, pp. 69-90.A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa,Difel.A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. RioA manilha e o Libambo. A África e a escravidão, 1500 a 170. Rio de Janeiro,Um rio chamado Atlântico. A África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro,. In J. Ki-Zerbo (org.), História geral da África, vol. I. SãoAncestrais. Uma introdução à história. Rio de Janeiro, Editora Campus. O livro didático e o currículo de história em transição DIFUILA, Manuel Maria (1995). “Historiografia da história de África”. ‘Construção e Ensino da História de África DJAIT, H. (1982). “As fontes escritas anteriores ao século XV”. . Passo Fundo, EDIUPF.Actas do Colóquio’. Lisboa, Linopazas, pp. 51-56.In J. Ki-Zerbo (org.), História geral da África: metodologia e pré-história da África. vol. I Ática/Unesco, pp. 105-128.. FAGE, J. D (1982). “A evolução da historiografia africana”. geral da África: metodologia e pré-História da África. vol. I Unesco, pp. 43-59. FANON, Frantz (1983). FONSECA, Selva Guimarães (1993). . São Paulo/Paris,In J. Ki-Zerbo (org.), História. São Paulo/Paris, Ática/The wretched of the earth. Harmondsworth, Penguin.Caminhos da história ensinada. São Paulo, Papirus. AHistória da África nos bancos escolares... 459 FREUND, Bill (1984). “Africanist history and the history of Africa”. making of contemporany Africa: The development of African society since 1800. Indiana University Press. GILROY, Paul (2001). GINZBURG, Carlo (2001). Companhia das Letras. HERÓDOTO (1988). HORTA, José da Silva (1995). “Entre história européia e história africana, um objecto de charneira: as representações”. da África (1991). A representação do africano na literatura de viagens, do Senegal a Serra Leoa (1453-1508). Dissertação deMestrado em História, Lisboa, Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, julho de 1990. nº 2, 1991, pp. 209-339. HORTON, Robin (1997). “African traditional thought and western science”. Grinker&C. B. Steiner (orgs), representation. KARNAL, Leandro (org.) (2003). In B. Freund, TheBloomington,O Atlântico negro. Rio de Janeiro, UCAM/Editora 34.Olhos deMadeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo,História. Brasília, EdUnB.Actas do Colóquio Construção e Ensino da História. Lisboa, Linopazes.Mare Liberum,In R. R.Perspectives on Africa: a reader in culture, history, andOxford, Blackwell Publishers.História em sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo, Contexto. KAPPLER, Claude (1994). São Paulo, Martins Fontes. LOPES, Carlos (1995). “A pirâmide invertida. Historiografia africana feita por africanos” Actas do Colóquio Construção e Ensino daHistória da África LOVEJOY, Paul E. (2002). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. M’ BOKOLO, Elikia (2003). Lisboa, Vulgata. MANNING, Patrick (1988). “Escravidão e mudança social na África”. Cebrap MARGARIDO, Alfredo (1984). MATTOS,HebeMaria (2003). “O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil”. Rio de Janeiro, Casa da PalavraFAPERJ, pp. 127-136. MBITI, John S. (1977). MEIRELLES,William Reis (1995). “História das imagens: uma abordagem, múltiplas facetas”. MUNAKA, Kazumi (2001). “História que os livros didáticos contam, depois que acabou a ditadura no Brasil”. São Paulo, Contexto, pp. 271-298. MUDIMBE,V. (1988). NADAI, Elza (1992). “O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectivas”. Brasileira de História, Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade Média... Lisboa, Linopazes.A escravidão na África: uma história de suas transformações.África negra. História e civilizações. Até ao Século XVIII.Novos Estudos, nº 21, julho, pp. 8-29.La vision de l’autre. Paris, Fondation Calouste Gulbenkian.In M. Abreu&R. Soihet, Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia.Introduction to African religion. London, Heinemann.Pós-História, nº 3, pp. 77-91.In M. C. Freitas (org.),Historiografia brasileira emperspectiva.The invention of Africa. Bloomington, IndianaUniversity Press.Revistavol. 13, nº 25/26, pp. 143-162. Anderson RibeiroOliva 460 NORONHA, Isabel (2000). “A corografia medieval e a cartografia renascentista: testemunhos iconográficos de duas visões de mundo”. Manguinhos ORIÁ, Ricardo (1996). “O negro na historiografia didática: imagens, identidades e representações”. História, Ciências, Saúde-, nov. 1999/fev. 2000, vol.6, nº 3, pp.681-687. Textos de História PANTOJA, Selma Alves (2000). Thesaurus. PEREIRA, Paula (2001). “As tintas da história”. Paulo. PESAVENTO, Sandra Jatahy (1995). “Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário”. RAY, Benjamin C. (2000). Prentice-Hall. SILVA, Ana Célia da (1995). CED. THORTON, John (2003). 1400-1800 VILLALTA, Luiz Carlos (2001). “O livro didático de história no Brasil: perspectivas de abordagem”. ZAMBONI, Ernesta (1988). “Representações e linguagens no ensino de história”. Brasileira de História, , vol. 4, nº 2, pp. 154-165.Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília,Época, ano IV, nº 162, pp. 50-57. SãoRevista Brasileira de História, vol. 15, nº 29, pp. 9-27.African religions: symbol, ritual, and community. New Jersey,A discriminação do negro no livro didático. Salvador, CEAL,A África e os africanos na formação do Mundo Atlântico,. Rio de Janeiro, Campus.Pós-História, nº 9, pp. 39-59.Revistavol. 18, nº 36, pp. 89-101. Livros Didáticos analisados DREGUER, Ricardo&TOLEDO, Eliete (2000). 6ª, 7ª e 8ª séries. São Paulo, Atual. MACEDO, José Rivair & Oliveira, MarileyW. (1996). vol. 3. São Paulo, Editora do Brasil. MONTELLATO, Andrea; CABRINI, Conceição & CATELLI JR., Roberto (2000). História: cotidiano e mentalidades. 5ª,Brasil: uma história em construção, História temática MOZER, Sônia&TELLES, Vera (2002). RODRIGUE, Joelza Éster (2001). séries. São Paulo, FTD. SCHMIDT, Mario (1999a). (1999b). . 6ª série. São Paulo, Scipione.Descobrindo a história, 5ª série. São Paulo, Ática.História em documento: Imagem e texto. 5ª, 6ª, 7ª e 8ªNova história crítica, 6ª série. São Paulo, Nova Geração.Manual do professor. Nova história crítica, 6ª série. São Paulo, Nova Geração. AHistória da África nos bancos escolares... 461 No final dos anos 70 e início dos 80, passada a euforia de se pensar a África por ela mesma, surgiu, nas palavras de Lopes, uma “nova escola de historiadores africanos”, despojados das cargas emocionais dos seus predecessores e igualmente preocupados com a continuidade das investigações. Porém, no caso desses novos his- 18 resvalaram em erros anteriormente cometidos.ibidem: 24-26).